domingo, 6 de novembro de 2011

INTERNACIONAL 5 - CAMUFLAGEM

Lorena Tabosa

E as surpresas só começaram

Camuflagem, ou melhor, o famoso “parece, mas não é”. Essa é a premissa do programa Internacional 5, que abriu as mostras competitivas do IV Janela Internacional de Cinema do Recife ontem (5/11), na Fundação Joaquim Nabuco. Dos quatro curtas-metragens exibidos, não há um em que o espectador não seja tomado de assalto por uma guinada absolutamente inesperada na história. E, seguindo o momento de reviravoltas, o último desta vez será o primeiro.

De longe, o favorito do público foi Las Palmas (2011), de Johannes Nyholm, que já havia sido exibido na abertura do Janela. O básico: uma turista, muito “senhora de si, obrigada”, está curtindo sua viagem a uma praia paradisíaca. Agora, o extraordinário: quem vive a senhora de meia idade é um bebê, de aproximadamente um ano de idade. E apesar de a camuflagem acabar nas primeiras cenas, a graça não abandona o espectador e fica até o fim.

A ideia parece ser problematizar o quão bobo o indivíduo pode ser quando se confronta com situações de inúmeras possibilidades, sensação comum quando se está em outro hábitat. É uma metáfora para os excessos, pois à senhora não interessa poupar nada, nem ninguém, que se posicione entre ela e a diversão. E nesse contexto de falta e abundância, é possível perceber a chegada de certa vergonha, pela falta desta mesma e por ainda sermos todos crianças em muitas de nossas atitudes, num misto de saudosismo e realidade.

Incêndio (Fire, 2011), de Karem Akerman e Miguel Seabra Lopes, por sua vez, não traz uma menina/senhora como elo libertador de falsas verdades, mas dá ao fogo esse papel. Através dele, um cantor de música erudita é incitado a atingir a excelência na arte e a falar sobre, com e pela morte. Um poema de Goethe musicado por Schubert, Erlkönig, exige o máximo daqueles que se propõem a enfrentá-lo, justamente como a morte, que é perita em tirar vantagem das falhas e fracassos do homem.

Mas quando se aprende a lidar, um pouco que seja, com a morte, ela pode se tornar cômica e, quiçá, patética. Urso (Bear, 2011), de Nash Edgerton, é provavelmente a obra que mais brinca com nossa percepção neste programa. Marido e mulher, como é de praxe, têm suas rixas e brigas, muitas vezes causadas pelo esquecimento de um ou do outro. Era aniversário dela e ele só fingiu esquecer. Mas não importa, porque as consequências são graves de qualquer jeito e, de um simples desentendimento, pode nascer um bicho enorme e peludo. E mesmo que cheio de boas intenções, acaba sendo alvo de caçadores desavisados de que ali ainda existe amor.

E quanto àqueles que caçam seus próprios “bichos”? No israelense Fora (TSE, 2010), de Rooe Rosen, depoimentos de duas mulheres. Uma delas é assumidamente lésbica. A outra, se rotula como submissa. O comum entre elas é uma relação amorosa, certo? A bem da verdade, tal dúvida persiste até mesmo após a reviravolta no roteiro, pois o filme trata de uma temática inusitada: o sado-masoquismo. E sem saber ao certo se é documento ou ficção, findamos entre chicotes, palmatórias e a surpresa.

7 comentários:

  1. Hey, Lorena.

    gostei muito da tua leitura do "Las Palmas" e do "Urso". em relação ao "Tse", acho que talvez tu pudesses ter construído alguma orientação sobre a reviravolta no filme, a idéia de ritual, etc.

    hasta lluego, umbeijo.

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  2. "É uma metáfora para os excessos (...)E nesse contexto de falta e abundância, é possível perceber a chegada de certa vergonha, pela falta desta mesma e por ainda sermos todos crianças em muitas de nossas atitudes, num misto de saudosismo e realidade."

    De fato, Lore... Muito bom.

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  3. Tu diz através de uma descrição mais crua do ritual, juva?

    Até pensei sobre isso, mas acabei achando que eu poderia fazer juízos de valor demais, e não queria soar contra ou a favor da prática, porque não sou nem um dos dois.

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  4. não tanto uma descrição do ritual, mas algo para orientar no que está implícito quando tu fala nos que "caçam seus próprios bichos".

    fazer o gancho entre o sado-masoquismo e as implicações políticas, dentro do jogo ritual.

    umbeijo.

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  5. minhairmã. adorei. las palmas é demais. bear também. se eu tivesse que escrever sobre o israelense, não saberia o que dizer. política, sexualidade, poder, etc, se misturam de uma forma que não dá para saber qual é o foco. tinha tudo para ser bom, uma vez que trata de três temas interessantes. acho difícil fazer um gancho entre o sado-masoquismo e as implicações políticas. é possível. mas tanto o sado-masoquismo, quanto a política do oriente médios me é (e acho que nos são) estranhíssimos. a gente fica pisando em ovos pra falar de "Fora".

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  6. acho que é bem isso mesmo, visse. pisar em ovos. porque por mais que a gente possa estudar a política de lá, nunca vamos carregar as impressões de quem vive aquilo ali.

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  7. Depois de ver a sessão toda, antes só tinha visto Las Palmas, percebi que o público sofreu uma mistura de sensações ao ver esse programa. Quando Urso terminou, vi várias mãos levantarem com as palmas pra cima, indagando: o que foi isso? acabou? E logo em seguida, risos. Calma, não é trágico, é belo. A mesma coisa em Fora, ouvi um inflamado URFA! de um espectador lá na frente. Não era alívio porque o filme é ruim, era o alívio de ter sobrevivido ao impacto cultural. A exposição daquelas vidas, cruas, nuas. Um sofrimento acompanhado de prazer, em nós, o que sentir disso? Aceitar? Sofrer? Julgar? Achei esse programa muito denso, tocante. E achei a expressão "buscar seus próprios bichos" em si já bem explicativa. É que essa ato, de insurgir em nossos próprios devaneios é bastante universal, mesmo que o modo de fazer seja bastante versátil.

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