domingo, 6 de novembro de 2011

BRASIL 1 - GRITOS PRIMAIS

Liana Cirne Lins

Da Origem (2011), filme de Fabio Baldo, nos leva aos tempos das cavernas em que a vida girava em torno da sobrevivência e da habilidade para fazer fogo. Com belíssima fotografia, o filme resgata em nós o primitivo, a nossa índole de sobrevivência destituída de qualquer justificação. Dos inventos do homem desde o fogo talvez o mais significativo seja a comunicação. Ela tornou complexa a vida e trouxe com ela o questionamento acerca da nossa existência. E ainda assim somos capazes de nos identificar com aqueles homens das cavernas. Quanto mais complexos tornam-se nossos problemas, mais resgatamos nossa necessidade básica e instintiva de sobreviver.

Avalons, de Carlos Eduardo Nogueira (2011), é um filme que se passa num ambiente medieval contrastado por uma estética contemporânea sobre uma princesa disputada por dois cavalheiros e que se casa com o vencedor do duelo grávida do perdedor, enganando levianamente ambos. O filme confirma que o bom uso da computação gráfica e uma proposta estética arrojada não são suficientes para melhorar uma má história.

Porcelana (2010), de Thiago Taves, é a história de uma mulher aprisionada e de seu algoz, um homem aparentemente dócil, que dela cuida com dedicação. O plano inicial do filme sugere que a mulher seja uma estátua que é aperfeiçoada pelo criador. O filme poderia ser lido como uma metáfora para a opressão da mulher, que deve manter-se sempre bela e disponível. Mas no momento da fuga da mulher descobrimos um terceiro personagem que inova a trama: o espectador. A mulher tem de nos desacorrentar para que possamos fugir com ela. Entretanto, o espectador é atingido pela espingarda do homem enquanto a mulher consegue fugir. A liberdade vence, mas só para quem tem ação, força e coragem para conquistá-la. Quem apenas assiste a vida acontecer sem tornar-se protagonista da história permanece escravizado e testemunha a própria vida acabar.

Cachoeira (2010), de Sergio José de Andrade, é um filme baseado em fatos reais sobre jovens indígenas que se iniciam num ritual suicida encorajados por uma beberagem feita com muita cachaça e toda a sorte de alucinógenos, incluindo nicotina e acetona. A ingestão da bebida é embalada por um rock agressivo e o ritual termina com a precipitação dos jovens para a cachoeira onde encontram a morte. Cachoeira inicia com o depoimento de um índio ancião dizendo do quanto os jovens confundiram todo o ritual. E o filme é sobre confusão, a confusão que decorre da incapacidade de fusão das culturas com que forçosamente convivem. Culturas que não dialogam e se excluem mutuamente levando à falta de perspectivas desses jovens que não veem no futuro qualquer oportunidade de melhora.

Dona Sônia Pediu Uma Arma Para Seu Vizinho Alcides (2011), de Gabriel Martins, nos traz a história de Dona Sônia que busca vingar-se do jovem que matou friamente seu filho. É um filme que brinca com a máxima de que o roteiro deve explicar-se por si só e que usa não atores nos papeis de Dona Sônia e de Alcides.

Em dois momentos, é necessário que se explique a trama ao expectador – a sede de vingança de Dona Sônia e a paixão de seu vizinho por ela, pois sem isso seria impossível compreender o que pretende que se aconteça no filme. A cena de vingança que seria o clímax é marcada pela espera de Dona Sônia bocejando, coçando o cabelo e entediada com a filmagem. Talvez se pretendesse uma crítica ao patético da violência, mas nesse caso a ruptura com os padrões tradicionais de cinema foi suficiente apenas para confirmar o quanto esses padrões são necessários.

3 comentários:

  1. Liana, ainda não vi este programa, mas fiquei bem interessado em sacar o "Da Origem". Muito me interesso pelas jornadas perdidas de nossa origem, gosto acentuado desde que tomei contato com as leituras do xamanismo.

    só uma pequena ressalva: elencar o fogo e a comunicação como invenções humanas me parece
    um tanto torto, um tanto fora de foco. ou melhor, com foco apenas sobre nossa míope condição.

    depois de assistir aos filmes volto por aqui.
    umbeijo.

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  2. Muito interessante o que escrevesse sobre Porcelana. As vezes a gente esquece que as vitimas tem, também, responsabilidade por suas amarras e confinamentos. Talvez mais que o outro lado da moeda, que aprisiona. As pessoas reclamam da mesmice de suas vidas e das pessoas que lhes rodeiam, mas esquecem que foram suas escolhas que as levaram até isso.

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  3. Juva e Bia, não tinha visto os posts de vocês. Juva, concordo com tua crítica à minha/nossa miopia. É, Bia, me chamou muita atenção o espectador ser um personagem literalmente espectador. Achei a sacada muito boa.

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