sábado, 12 de novembro de 2011

INTERNACIONAIS 3 – MELANCOLIA

Lorena Tabosa

Basta estar vivo

Tudo o que está vivo, morre. Esta talvez seja a maior das lições que jamais iremos aprender. Jamais porque por mais que haja o esforço, nunca se sabe, ao certo, como lidar com algo letal, implacável e pontual ao mesmo tempo. E não é necessário que se esteja diante da morte física, da morte de alguém. Pensamentos, desejos, sonhos e medos podem ser abatidos, dando vida à dor. No programa Internacionais 3, Melancolia, o espectador do Janela pôde se deparar com este delicado limiar existente entre o desespero, a culpa e a saudade.

Em Raio de Sol Bate no Setor de Congelados e Deixa Tudo Mole (Kommt Ein Sonnenstrahl in Die Tiefkuhlabteilung Und Weicht Alles Auf), de Lisa Weber, um casal leva uma rotina de calmaria, até um tanto apática. Não tomam café da manhã juntos e se prostram diante da televisão em poltronas separadas, num indício de indiferença. Mas uma cruz de madeira, fincada na beira de uma estrada, quebra a monotonia e dá lugar à dor em comum, a um abraço lado a lado. Numa representação simples e fiel, o filme nos transporta para os confins de uma grande perda e suas implicações em quem fica. É a sensação de um vazio impenetrável e, quase sempre, mas não neste caso, particular.

Dizem que o homem sofre de véspera. Em A Viagem (Wycieczka), de Bartosz Kruhlik, devaneios de um avô sobre o passar do tempo, sobre aquilo que já se foi e sobre o que não mais virá. Ele ensina sua neta a pilotar uma scooter e a apreciar a natureza, embora saiba que, provavelmente, não a verá pôr em prática outras tantas lições que ainda tinha para ela. O tempo passa despercebido até o momento em que pesa demais. Na inocência da menina, nota-se que as toneladas são sentidas apenas por quem já está aí há algumas décadas e que, infelizmente, ela só saberá quando do envelhecimento inevitável causado pela dor da perda. E é assim com todos nós.

Também comum à humanidade é a preocupação lançada em Adeus, Mandima (Kwa Heri Mandima), de Robert-Jan Lacombe: a despedida. No filme, fotografias de uma infância no Zaire e a partida da família, de origem européia, para nunca mais voltar. O lamento de Lacombe é a conhecida culpa pelo adeus nunca dito, embora, à época, ele não soubesse que jamais veria aquelas pessoas outra vez. E sem nunca ter pertencido a nenhum lugar, ele descartou e foi descartado em meio a disparidades culturais. Numa fresta para a questão das lembranças versus identidade, o espectador tem a oportunidade de projetar-se novamente e indagar: somos frutos daquilo que vivemos ou o que vivenciamos é resultado daquilo que somos?

Fotografias retornam na narrativa de A Esposa do Fotógrafo (Die Frau Des Fotografen), de Karsten Krause e Philip Widmann. Fazendo uso de fotografias diante da efemeridade do tempo e das falhas da memória, Gerti teve sua existência imortalizada pelo olhar do marido, em nus cobertos apenas de amor e de um quê de idolatria. O filme propõe uma reflexão sobre o que nos resta no fim de tudo. Serão fotografias? Será amor? Na verdade, um é bobina do outro e se um deixa de existir, o outro esmorece.

Mas quando são os desejos que morrem, ou são forçados a morrer, nem a dor e nem o choro são, necessariamente, menores. Em Dois, Por Favor (Dos, Por Favor), de Fabian Vasquez Euresti, um reencontro mal sucedido com uma namorada permite que José se veja em desejo por um amigo. O choro de medo daquilo que não conhecia sobre si mesmo e a tentativa de calar a vontade se contorcem numa luta entre o homem passional e o racional. Mas para eliminar um desejo, outro - o de matá-lo – precisa nascer. Assim, a morte é, na verdade, vida, mesmo que dolorosa demais.

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