quarta-feira, 9 de novembro de 2011

BRASIL 1 - GRITOS PRIMAIS

Beatriz Braga

O apelo primata da modernidade

Quanto mais o mundo avança, mais é preciso resgatar o passado para entender os homens de hoje. Os filmes da sessão Gritos Primais lembram que a modernidade não conseguiu resolver problemas primitivos da existência humana. O primeiro, Da Origem, de Fábio Baldo, apresenta um homem primata, perdido, solitário e a sua ode e proteção a uma pedra que lhe daria o fogo. Essa personagem pouco tem da valentia nata que os homens da caverna costumam ostentar nos filmes. O medo é seu guia. Recluso e triste, ele observa a tribo que interage entre si. Com uma cabeça de caveira na mão, parece não entender bem o que a morte significa. Emocionado, sente a chuva forte limpar sua pele suja e dolorida da mata seca. O ser moderno se projeta naquele homem que não sabe viver em sociedade.

O segunda curta, Avalons, de Carlos Eduardo Nogueira, é um convite a uma viagem. Se o telespectador aceita a ideia, se diverte à custa de fórmulas técnicas bem resolvidas. Em forma de desenho e tomada por uma trilha envolvente, o filme faz uma sátira de fábulas tradicionais, a começar pela disputa de dois cavaleiros por uma dama. Em meio a uma espécie de Calígula moderna e infantil, a tela se enche de estórias paralelas, soldados, máscaras de ferro e crianças. Quem assiste pode até não entender nada, mas permanece curioso e atento até o fim.

“Eu não sei o que aconteceu com a gente” diz ele para a mulher atônita e frígida a sua frente. O casal que surge no terceiro curta da sessão, Porcelana, de Thiago Alves, representa tantos outros pelo mundo. Aqueles que sentam ao restaurante e não conversam, convivem e não se olham e tentam maquiar, assim como o homem do filme, uma relação perdida. A mulher revela, depois, uma corrente que prende seu pé. Seminua, tenta se libertar e foge do homem que, de tanto querê-la, prefere matá-la a vê-la livre. Todos os elementos primitivos do filme estão presentes na modernidade, nas amarras invisíveis que mulheres e homens se submetem.

No penúltimo filme, índios curtindo rock, bebendo e se matando. Traindo Iracema e o naturalismo idealizado no Brasil, Sérgio José de Andrade apresenta Cachoeira, um curta documental sobre o alcoolismo suicida na mata. “Canuerê, me ajuda!” suplica à cachoeira grandiosa, o homem de lábios carnudos, cabelos negros e pele marrom. A beberagem é um problema social de uma tribo do Amazonas e é exibida nesse curta orgânico, de fotografia exemplar. A natureza, que para os homens da capital geralmente surge em um contexto de salvação, aqui é o começo e o fim de várias vidas.

Dona Sônia pediu uma arma emprestada para seu vizinho Alcides, de Gabriel Martins, fechou a sequência. A violência levou o filho de Dona Sônia e o de tantas outras donas brasileiras. O homem que abre o filme fala diretamente com o espectador, que passa a esperar, também, por uma reação da mulher contra o mal que lhe foi feito. Ele toma a liberdade de tatear o rosto amorfo da senhora para encontrar alguma sobra de alma por trás dos olhos inertes. “Eu sei onde ele está, Dona Sônia”. O espectador entende. Dona Sônia quer cantar para Jesus e sentir algum efeito, porque, sem vingança, é difícil ter paz. O filme é uma crítica à impunidade e um ombro amigo ao sofrimento das mães saudosas do Brasil

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