José Juva
Febre do Rato: poesia, cinema e libertinagem
O escritor surrealista André Breton afirmava que “a poesia se faz na cama como o amor”. Numa paráfrase mais aguda, o poeta Roberto Piva declarava que “a poesia é uma fascinante orgia ao alcance do homem”, incluindo a recíproca de que “a orgia é poética”. Reiterando estes apontamentos e tecendo outros, o diretor pernambucano Claudio Assis, em Febre do Rato, longa-metragem exibido na noite de abertura da IV Janela Internacional de Cinema do Recife, explora as fricções entre o corpo e a palavra, entre o gesto comportamental e o jorro lírico, entre as irrupções do desejo e os cercos do cotidiano - múltiplas camadas de significados possíveis de serem apreendidos nas quase duas horas de filme.
Febre do Rato apresenta recortes em preto e branco da vida do poeta Zizo, interpretado por Irandhir Santos. Zizo, um sujeito performático, pontua os momentos vividos com amigos, parentes e desconhecidos com a capacidade de incêndio e de sublime da palavra poética: recita poemas em churrascos, dirige poemas aos amigos - como o casal Pazinho (Mateus Nachtergaele) e a travesti Vanessa (Tânia Moreno) - e, principalmente, distribui o fanzine que dá nome ao filme, bradando no sistema de som de uma variant. Claudio Assis, com Febre do Rato, manifesta a idéia de que a arte pode ser um dispositivo de libertação psicológica, uma possibilidade de cura e guerrilha que faça frente ao cerceamento das liberdades e ao esmagamento e à padronização das vontades.
Agenciados no terreno fértil da poesia, a nudez, o lúdico, a embriaguez e o irracional ampliam os entendimentos e as sensações sobre a prática política, sobre a necessidade de posicionamentos diários dos sujeitos no rio da existência, confundindo propositadamente as fronteiras entre vida e arte. Zizo, na sua jornada rumo ao desregramento de todos os sentidos faz-se vidente (como preconizou Rimbaud), torna-se veículo de sensibilidades libertárias, congrega as vozes de homens e mulheres que deliberadamente, deliciosamente subvertem os comportamentos estabelecidos e sustentados na moral hegemônica.
Assim podemos ler as sugestões das trepadas coletivas, a traição com a mulher do vizinho numa caixa d’água, as masturbações na máquina de xerox e na posse dos poemas do fanzine, o desejo de contemplar a garota desejada urinando, a cannabis sativa geradora de momentos ternos de sociabilidade, etc. E mesmo morto pela polícia militar, tendo sido jogado ao Rio Capibaribe, Zizo permanece infiltrado, entranhado ao corpo dos personagens envolvidos por sua vida. Embora desigual, ligeiramente repetitivo e diluído em seus movimentos finais, Febre do Rato consegue entrelaçar instantes geniais a um conjunto de visões provocadoras, construindo a imagem de um Recife delirante, que está além das fábulas das fronteiras entre o feio e o belo, entre o sublime e o escatológico, entre a poesia e a vida.
domingo, 6 de novembro de 2011
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Sexta ví a Febre do Rato, novo filme de Cláudio Assis. Cinema São Luiz lotado. É o Recife-Cláudio Assis e Cláudio Assis-Recife, mesmo tendo cenas em Olinda tb. Lembrei de Katia Mesel (Recife de dentro pra fora), outro olhar sobre a cidade. A Febre é visceral, literal, carnal, ambivalente. Remete-nos ao Recife dos anos 80 e início de 90, qdo a cidade era cheia de tapumes, cheios de poesias e frases berrando a cidade: "recifede", "recifezes", "recífilis, capital de pernambucocos". Seus bares e poetas.
ResponderExcluirAinda não sei o que dizer sobre o filme...
Se garantiu!
ResponderExcluirTanto o filme, quanto você que escreveu a crítica! Adorei ambos