Lorena Tabosa
O céu, o mar e o meio do nada
Um menino negro de olhos azuis, um azul-celeste. Só isso já seria um toque de sutileza e realidade (não retratada comumente) suficiente para conquistar seus olhos, independente de que cor sejam, para o que viria a acontecer em Dia Estrelado, stop motion de Nara Normande, exibido ontem (6-nov) no programa de curtas brasileiros Filmados em Locação. Retrato da preservação da vida e luta pela sobrevivência no sertão, o filme mostra que nem sempre são necessárias demonstrações agressivas de chão seco para tocar o espectador.
Como é rotina em regiões áridas, a procura por água começa cedo do dia. E dessa busca depende todo o resto. Mas mesmo no mais inóspito dos lugares, a vida dá um jeito de acontecer, com uma flor que seja. Uma flor sertaneja. Uma flor roxa, alimentada de lágrimas e amor, quando a água falta. E com o coração é assim, a miscelânea de sentimentos é alimento, alento, fundo e raso ao mesmo tempo. Mas, como o curta-metragem deixa claro, se o raso prevalece, geralmente em horas como a da fome, a cegueira toma de conta e perdemos um pouco da humanidade.
A verdade é que até mesmo quando a vida está empacotada em caixas, dá-se um jeito de alimentar o “sentir” e encontrar o céu, que não precisa ser os olhos azuis de alguém. É isso que se vê em Com a Vista para o Céu, de Allan Ribeiro. Um casal de vizinhos, desconhecidos e solitários em seus respectivos apartamentos, pega o "Trem das Onze" de Adoniran Barbosa e ensaia um dueto, de uma janela para a outra. E nesse vai e vem de notas, a solidão se dissipa por instantes e diz que só vai voltar no próximo encontro no elevador, porque, por hora, a canção é afago e é céu.
Isolamento urbano também é mote para Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira. O espaço, situado no bairro de Boa Viagem, é um carrossel sem cavalos, com carros dançando, quase em deboche, ao redor. A questão levantada pela obra é atual e de extrema relevância: afinal, são crianças ou cachorrinhos de madames que necessitam de playground? E a praia, por sua vez, na qual se está sujeito a ataques de tubarão, se rende e passa a abrigar piscinas montáveis de água salgada. Nem praça nem praia são mais sinônimos de socialização, um triste retrato das relações humanas contemporâneas.
Ainda em termos de isolamento, a sensação de primeiro contato assalta o espectador em Bolpebra, de Guilherme Marinho, João Castelo Branco e Rafael Urban. Uma cidade sem edifícios, com cerca de 40 habitantes e uma praça, na fronteira da Bolívia, Peru e Brasil. É alheio a quem vive em grandes cidades o conceito de pequenês na felicidade, com o qual acabamos defrontes nesta obra. Já em Contagem, de Gabriel Martins e Maurílio Martins, a alegria parece presa à possibilidade de escapar daquele lugar. Sob a ótica de quatro personagens diferentes, o momento da fuga é perdido e o avião, símbolo incontestavelmente apropriado, levanta vôo sem ninguém.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
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Lorena, cê esqueceu de comentar o "adormecidos".
ResponderExcluiresqueci não, juva. o que aconteceu é que eu já tinha estourado o tamanho. mas comento por aqui mesmo: a temática é intrigante, essa coisa de seres inertes que são, ao mesmo tempo, os únicos acordados fazendo a vigília da cidade adormecida.
ResponderExcluirlore, adorei a forma como os curtas foram encadeados... engraçado é o nome do programa: "filmados em locação". era para haver mais contato e mais luz, mas só solidão, né? gostei da ênfase ao stop motion de Nara. o melhor de todos, sem dúvidas.
ResponderExcluir"o filme mostra que nem sempre são necessárias demonstrações agressivas de chão seco para tocar o espectador" A flor que nasce da lama, do árido.
ResponderExcluirMuito bom o que escrevesse sobre Céu estrelado, fiquei encantada com o curta!
*Dia Estrelado, sorry.
ResponderExcluiro curta é muito bom mesmo, tive nem como disfarçar. mas quanto à locação, bá (bárbara, hein, gente!), num sei se eu esperava luz não. contato, por outro lado, especialmente com elementos "de fora" do filme, acho que daria um outro gosto às histórias.
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