sábado, 12 de novembro de 2011

EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DE SEUS LINDOS LÁBIOS

Beatriz Braga

Você tem medo da vida?

"Você só deve abrir quando estiver muito desesperado". Ela diz revelando o presente, uma caixinha preta e seu cadeado. "– E a chave?" Não tinha. Como previsto, o desespero chegou e a caixa quebrada serviu para acalmar (ou inquietar ainda mais?) o coração: "eu te amo" escrito em linha simples, quase esquecido e deixado para trás. A história pode até parecer clichê, se não fossem as personagens densas e complexas que compõem o epicentro da trama. Cauby, o artista, Ernani, o pastor, e Lavínia, uma mulher dividida entre a paixão ardente ou a aparente estabilidade da salvação religiosa. Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, de Beto Brant e Renato Ciasca, foi exibido na quinta-feira (10-nov.) no Cinema São Luiz.

Lavínia (Camila Pitanga) de cabelos soltos, nua e pintada de tinta. Em um ritual amoroso com Cauby (Gustavo Machado), ela mostra sua face crua que serve perfeitamente à câmera do amante, as fotos mais bonitas do fotógrafo que guardam seu maior segredo e desejo. Mas Lavínia também é a mulher que veio das ruas, da prostituição e das drogas acolhida por Ernani (José Carlos Machado). Ele vê nela uma criança carente que o espectador dificilmente encontra. Em um ritual religioso, enquanto ela vomita, ele balança sua cabeça e pede a Deus que expulse a maldade de seu corpo. Lavínia também nunca deixou de ser a criança dolorida pelo abuso sexual. Em seu ritual com o vício, a bebida, aquela menina indecisa entre assumir seu corpo de mulher ou enfrentar a violência ao seu lado surge de repente. Lavínia não consegue decidir o que a faz sã. Erra muito por tentar acertar. Mas de muito procurar os extremos opostos de seus desejos, acaba caindo em devaneios. Todo mundo tem um pouco da Lavínia que prostitui sua identidade em troca de proteção e, também, da que se entrega de corpo e alma à vida, ao perigo.

Você tem medo da vida? Pergunta Vicktor, um quarto personagem de passagem pelo filme, mas nem por isso menos interessante. A interrogação alfineta o espectador que até agora só observava. Vicktor, que parece não temer a morte e vai ao seu encontro, mostra que difícil mesmo é permanecer vivo e encarar a realidade. Sua herança deixada para Cauby é categórica, uma espécie de jornal que trazia as fotos de Lavínia e a frase grande e pertinente “Santa é a carne que peca”. A pureza está no infame, no desequilíbrio. Santo é Cauby quando erotiza o ultimo rastro da igreja no corpo da mulher do pastor, é Ernani quando faz se entrega ao sexo carnal da protegida e, por fim, Lavínia quando bate à casa do fotógrafo e diz “eu voltei”.

Quando os caminhos se divergem, a força do sentimento parece ser maior. O amor é, no final, é a única fonte de lucidez. A morte de Ernani, a prisão de Cauby e tempo depois, o local de encontro é um Hospício. Ela é paciente, ele ainda apaixonado. Um sem o outro, estão perdidos. A identidade da mulher cheia de faces, idas e vindas é deixada para trás. A lembrança do que já foi está, agora, transformada em uma nova mulher. Não se vê resquício de Lavínia naquela que agora atende por Lúcia, seu, talvez, nome original. Por fim, ela simplesmente sorri, pela primeira vez no filme.

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