sexta-feira, 11 de novembro de 2011

EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS

Liana Cirne Lins

Nem tudo, nem nada

Uma boa história de amor é uma história de perdição e de redenção.

Ao mesmo tempo, porque amor é perdição e redenção, é doença e cura, delírio e lucidez, entrega e recato, pulsão de morte e de vida.

Porque o que queremos é morrer nos braços do outro e renascer.

O problema é quando esse tudo parte-se ao meio, como o visconde de Calvino, e se apresenta em duas metades tão apartadas quanto um pastor líder comunitário e um fotógrafo hedonista.

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (Beto Brant; Renato Ciasca, 2011) é um história de amor vivida por Lavínia, interpretada por Camila Pitanga, ex-prostituta e ex-drogada, libertada pelo pastor com quem viria a casar, Ernani (Zé Carlos Machado).

Sua vulgaridade e sua fragilidade remontam a cena de Betty Blue (Jean-Jacques Beineix, 1986) em que ela, levantando o vestido e usando nada por baixo, exibe e projeta seu sexo em sinal de desacato e transgressão.

À beira da autodestruição, o resgate religioso da mulher se dá numa cena de exorcismo realizada livre de qualquer preconceito, numa oração recitada com muita convicção por Zé Carlo Machado, que confere a Ernani a duplicidade da pureza e do interesse na bela mulher.

Em missão religiosa, mudam-se para o Pará e casam-se. A vida de Lavínia se transforma e ela encontra paz na tranquilidade da felicidade doméstica e nos hinos religiosos que entoa nos cultos. Lavínia curou-se.

O problema é que tanta cura e saúde adoecem.

Ninguém consegue interpretar um só papel.

Lavínia encontra em Cauby (Gustavo Machado) a cura para sua sanidade.

Com ele, reencontra sua outra metade: ela mesma, sua própria riqueza delirante, frenética e alucinada.

Desde o início, a cumplicidade dos dois é a destruição: penetram-se com cores e tintas e pinceis e marcam um no outro símbolos de morte e de guerra. Seu destino está anunciado.

E se Lavínia não pode resistir à insensatez que Cauby representa, também não quer abandonar a sanidade do leito de Ernani. A consciência da impossibilidade de completude, a incapacidade de decidir, a dor de novamente ser metade de si mesma levam-na à loucura, cujo realismo aumenta na mesma proporção em que Camila Pitanga despoja-se da sua beleza.

Seria um filme feminino, não fosse o ponto de vista prevalente de Cauby. E nesse sentido ele é tão masculino que à nudez desinibida de Camila Pitanga contrapõem-se calculados enquadramentos que vedam ao espectador o recíproco nu masculino.

O filme perde-se em alguns momentos com cenas excessivas, como a cena de abertura em que uma mulher posa para câmera, a de um ritual xamã, e um micro-documentário sobre as consequências da devastação da floresta para as comunidades locais, que nada incorporam à narrativa.

No último caso – a denúncia sobre o corte ilegal da madeira – sua incorporação na ficção (como ficção) funciona bem. Uma sequência de imagens aéreas da floresta que vai sendo progressivamente desmatada entrelaça os dramas políticos da comunidade com os dramas pessoais dos personagens que vão, assim como a floresta, sendo devastados.

Beto Brant e Renato Ciasca optam por um final feliz, tão em desuso.

Inflam novamente a vida em Lavínia, com um beijo, como num conto de fadas do século XXI.

Lavínia não pode ter tudo, mas não é condenada a ficar esvaziada.

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