Liana Cirne Lins
Leptospirose é doença que costuma ser diagnosticada apenas depois de causar a morte. Claudio Assis fez um filme sobre um Recife que não sabe que está doente e que não sabe de qual doença sofre.
Febre do Rato (2011) nos traz um poeta que é profeta da doença e da cura. Um homem anárquico que dirige pelas ruas da cidade, alto-falante em punho, e navega pelo rio Capibaribe, conhecendo as pessoas, distribuindo o jornal que produz em seu precário ateliê e que leva o título do filme, declamando poesia, inflamando as pessoas para que não se acomodem, incitando-as para o exercício do incômodo. Os dramas pessoais, acentuados por excelentes atuações, cruzam-se com os da cidade.
O filme carrega a contradição de ser uma defesa da liberdade e da liberdade sexual – algumas das melhores cenas são de sexo, marcadas pelo lúdico e pela leveza – ao mesmo tempo em que seu protagonista afirma apaixonar-se por sua musa porque ela recusa-se à entrega, como quem não resiste à própria armadilha.
A narrativa apaixonada e extremista, como os discursos do poeta e do próprio Claudio Assis, é reforçada pela câmera que mostra a cidade de baixo, do ponto de vista do rio e dos pescadores, e pelo uso da câmera vista de cima, acompanhando as pessoas, sua nudez e seus movimentos.
A beleza natural da cidade com suas cores marcantes é embotada pelo preto e branco do filme, que se torna uma metáfora para a necessidade do cuidado.
No clímax do filme, a musa entrega-se ao poeta. Em uma manifestação organizada por ele, a chegada da amada transmuda o discurso político em poema de amor. Ali, em público, os dois desnudam-se, mas o ritual amoroso não se consuma. É interrompido pelo estado-polícia. O poeta é jogado ao rio e aos ratos. É a morte da poesia.
Febre do Rato é um filme apaixonado, uma crítica tão íntima que se converte em elogio às pessoas, ao amor e à cidade onde vivemos e amamos.
domingo, 6 de novembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
dizem que o xamã é um doente capaz de curar a si mesmo, e por desdobramento, aos outros.
ResponderExcluire assim segue o poeta, arremessando palavras para o "exercício do incômodo", para criar lapsos de sensibilidade, afeto, provocar fissuras, cavar fendas nas definições estanques da realidade social.
só não acho que com o poeta morre a poesia.
ela acaba sendo possível de encontrar nos gestos, no comportamento de seus amigos e amigas - como a travesti diz: "vou escrever poemas sobre raparigas e cachaça".
hasta.
Parabéns Liana, depois desse belo texto fiquei a fim de ver o filme. Abraços.
ResponderExcluir