quarta-feira, 9 de novembro de 2011

BRASIL 6 - PUXANDO E SOLTANDO

José Juva

Aqui, além.

Puxar e soltar os fios do novelo da memória, puxar e soltar os corpos em movimento ao nosso redor, puxar e soltar as palavras e as imagens para dar conta das loucuras e dores do amor e do desamor, das incompreensões em diálogo. O programa de curtas-metragens BRASIL 6 – PUXANDO E SOLTANDO, da IV Janela Internacional de Cinema de Recife, agarra olhares transeuntes e libera as mentes dos espectadores para vagarem por um sonho coletivo numa tentativa de tatearem e descobrirem intimamente o que o desejo e o afeto conseguem trazer para perto de nós e o que queremos, permitimos ou aceitamos que a vida arraste para longe.

A diretora Mariana Porto, em Zenaide, costura o depoimento de sete mulheres a respeito das relações de poder e afeto, discutindo o casamento como uma estratégia de sobrevivência. Zenaide, um dos curtas-metragens do projeto Olhares Sobre Lilith (adaptações de várias realizadoras sobre o livro de poemas As Filhas de Lilith, de Cida Pedrosa), desdobra a narrativa do poema: uma mulher se casa aos vinte anos, em 1964, como quem compra uma bicicleta. Entrelaçando as declarações das entrevistadas, também casadas por volta dos vinte anos, Mariana Porto constrói a imagem de uma mulher questionadora das convenções sociais – como a obrigação do casamento e da procriação. Já no curta-metragem Oma, de Michael Wahrmann, as relações entre o realizador e sua avó, personagem-título, servem como fio condutor para a narrativa. O filme é calcado numa estética precária, operando a linguagem de um vídeo doméstico, gravado em visitas do diretor à sua avó. O sujeito fala espanhol, a avó fala alemão. Ela não escuta, ele não entende. O curta-metragem caminha por uma navalha tênue, entre o registro da história íntima da família e o uso descabido e despropositado da avó como um personagem, até certo ponto, caricato. A perspectiva adotada elabora um plano de embotamento do sujeito, onde transparece uma estratégia não partilhada, uma hierarquia entre quem detém o controle da narrativa (o realizador) e quem está à deriva (a avó, Oma).

Uma Primavera, de Gabriela Amaral Almeida, repisa o tema das interações entre mãe e filha, destacando o instante em que a prole se afasta da larga área de influência materna. Uma história em linha reta: aniversário de treze anos da filha, num piquenique, nenhum amigo por perto, nem o pai. A mãe dorme e quando acorda a filha não está por perto. Algum espectador com dislexia pode embarcar no suspense. Mas o jogo previsível já havia sido estabelecido. E, quando a mãe fica procurando a filha pelo parque, já sabemos que ela está ficando com um garoto. E é o que a mãe avista. Na Sua Companhia, de Marcelo Caetano, é uma ficção sobre o universo jovem homossexual, a partir do olhar de um professor da rede pública que gosta de filmar seus parceiros. Espraiado numa estética da pornografia amadora, o curta-metragem lança um olhar sobre os fetiches, as idas e vindas do amor e do sexo. A animação Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo completa o programa, com a história de um cão abandonado por sua amada cadela. O personagem entra, então, numa viagem metafórica e literal do despedaçamento de si: fatiar o coração, bater o cérebro no liquidificador, passar a ferro o rosto, perder os dentes, embalado por Loucura, de Lupicínio Rodrigues.

Um comentário:

  1. Enquanto via Oma, tentei me projetar mais a fim de captar a intenção da mensagem que o realizador queria mostrar. Mas só vi uma espécie de brincadeira, como o próprio diretor disse depois na coletiva, "não havia nada pra fazer casa da minha avó, resolvi filmá-la" Ou algo parecido. Pra mim, um amor imenso recluso na alma solitária da senhora e um desdém nato da jovialidade que não entende a angústia do passar dos anos. A falta de recursos mais elaborados e a perseguição à protagonista combinam com essa distância aflita entre o menino e sua avó.

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