Liana Cirne Lins
Esse é um programa que anuncia uma tonalidade triste. Mas sentir falta pode ser um aquecer o coração, um sopro cálido e sereno.
No caso de Elégie à Rimbaud (2011, Leo Pyrata), temos um divertido curta feito a partir de imagens de arquivo de um cachorro, Rimbaud, brincando com seu dono e diretor do filme. Os latidos do cão são acompanhados de legendas em francês dos versos do poeta Rimbaud supostamente recitados pelo cachorro, o que inevitavelmente arranca boas risadas da platéia. O mais engraçado, entretanto, é a narração também em francês que descreve as desventuras amorosas e sexuais de Rimbaud, desfiando uma longa lista de cadelas por quem se apaixonou e disputou amores pelas ruas. A elegia de Leo Pyrata é um filme terno, leve, de um humor inteligente e acessível.
De outro lado, assumidamente nostálgico fica o Quando Morremos à Noite(Eduardo Morotó, 2011). Inspirado no conto A Mais Linda Mulher da Cidade, de Bucowski, o filme não apenas em preto e branco, mas sombrio, tem como protagonistas um homem de meia idade e uma jovem que se conhecem em um bar. No filme, porém, o elemento destrutivo não está na mulher (como no conto), que se mostra sempre vívida, mas no homem, que está doente. A ligação que se vai construindo entre os dois, fundada numa intimidade despretensiosa, é rompida pela decisão do homem de partir, estabelecendo uma primeira falta, transitória. A inversão das personagens e do impulso autodestrutivo poderia falsear o final e torná-lo inconsistente. Não é o que ocorre. O final surpreende. O sentimento da falta é mais agudo quando é inesperado.
Pra Eu Dormir Tranquilo (Juliana Rojas, 2011) conta a história de um menino de oito anos que está sofrendo muitas perdas ao mesmo tempo: a perda de atenção da mãe na iminência de ter outro filho, a perda da infância, pois está crescendo e, especialmente, a perda da babá, que morreu recentemente. A forma da diretora lidar com essa falta foi a mistura de gêneros com que uma história sobre afeto é contada através de elementos fantásticos (a babá ressurge no armário do menino), de terror (a babá assume forma de vampira, zumbi...). Ainda assim, a babá não causa medo, e sim a mãe, sofrendo de uma depressão pós-parto e tensa com problemas de trabalho de que não pode se afastar.
Vó Maria (Tomás Von der Osten, 2011) é uma tentativa de resgatar a memória da tataravó do diretor. Trata-se de uma tentativa não porque o diretor falha, mas justamente porque é bem-sucedido em seu projeto. O filme é uma sequência de imagens de uma única foto da personagem título que vão de um close extremo até um distanciamento que desfoca a imagem na tela, enquanto ouvem-se os depoimentos da neta, bisneta e tataraneta, que também vão se distanciando progressivamente da personagem até à afirmação “eu não sei nada sobre ela”. Esse não é um filme sobre a falta. Ao contrário, é um filme sobre o quanto nossa presença vai desaparecendo sem deixar faltas e sobre o quão finitos somos.
É interessante pontuar Vó Maria com Oma (Michael Wahrmann, 2011), filme que compôs o programa Puxando e Soltando. Se no primeiro temos um filme que busca em vão aproximar-se do seu passado, no segundo temos o registro do distanciamento entre gerações. Oma é um filme desrespeitoso em vários aspectos: na ridicularização da senilidade da personagem, nos planos invasivos que acentuam ou expõem uma decrepitude na velhice, nas situações de estranhamento da comunicação entre aquelas gerações acentuado pela insistência da avó em falar sua língua materna, alemão, que o neto não compreende e pela insistência do neto em não compreendê-la. O filme é um retrato da dificuldade em lidar com o outro que nos é diferente.
Estranhamento e esquecimento também são temas de A Felicidade dos Peixes (Arthur Lins, 2011). O cotidiano de um homem solitário que recebe a notícia da visita da filha distante há 20 anos, visita que acaba sendo frustrada, é o mote do estranhamento do protagonista com seu entorno e da uma falta imprecisa em sua vida. O ritmo lento do filme, os planos de destaque dados à televisão, as refeições delivery são coerentes com a proposta narrativa. O filme, porém, é significativamente prejudicado pela atuação de Humberto Lopes no papel do protagonista, chegando a levantar no espectador a dúvida sobre se houve a opção por utilizar um não-ator e distanciado o espectador do personagem, quebrando o tom intimista do filme.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
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Sobre o Rimbaud, há uma informação que talvez altere bastante a compreensão do filme, e que não faz parte do filme, exceto para quem ouvir atentamente aos latidos do cão. Ele estava morrendo. Para mim, é muito triste, e há algo de DI, de Glauber Rocha, nesse filme caseiro e pessoal! Bjs, Kleber
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