sábado, 24 de outubro de 2009

Áreas Construídas



Por Gianni Paula

Para além de edifícios, monumentos e paredes de concreto, a arquitetura, assim como tudo em uma cidade, é resultado do desejo humano. O programa Áreas Construídas evidenciou o espaço (e a mudança dele) como elemento de interferência nas relações e os cinco curtas da sessão dedicaram a este elemento recortes expressivos e importância narrativa.

No primeiro filme do programa, o diálogo entre as cenas de um prédio em construção com as imagens de um casamento nos remete, na fusão destes dois assuntos, aos anseios de lar e futuro que existem nos sonhos de casal e no interior daqueles novos espaços. O título, por sua vez, não podia ser mais auto-explicativo: O Sonho da Casa Própria (Cao Guimarães).

A história de Rosa e Benjamin (Cleber Eduardo e Ilana Feldman) traz os sintomas da desconfiança e do ciúme, desmontando a idéia de segurança que se faz dos casais mais velhos. Nesta trama, as conversas do casal surgem sempre para ilustrar as ações que o público não pode presenciar. Sempre na menção do que está fora do quadro, de personagens que conhecemos apenas pelos diálogos, o filme traz certa sutileza na desconfiança de Benjamin sobre um possível relacionamento de Rosa com um novo vizinho, já que não existem evidências postas em cena.

É possível sentir algo parecido no curta O Menino Japonês (Caetano Gotardo), pois seus personagens que estão próximos à janela e observando o prédio em frente, os moradores e suas ações, logo permitem que a memória atravesse aquele momento. Então, é cedido o espaço para que imagens que não estão no filme sejam construídas a partir dele.

Mira foi o trabalho de conclusão de curso do diretor Gregorio Graziozi que já teve outro filme (Phiro) exibido no Janela Internacional deste ano. O curta faz uma aproximação entre as obras de Niemeyer e a estética de Antonioni, proposta que em certa altura é sutilmente explicada, em um exercício metalingüístico talvez desnecessário. Tomado por uma sensação de vazio, Mira faz um desenho da incomunicabilidade entre as construções e os espaços, ao mesmo tempo em que trata da incomunicabilidade entre as pessoas, a partir de seus dois personagens.

A falta de comunicação também permeia Zigurate - foto - (Carlos Eduardo Nogueira). Com suas cores saturadas e uma concepção publicitária, o curta, que sugere o distanciamento social e tenta uma crítica irônica aos valores de casta, manteve a temática dos espaços com seus prédios que alcançam além das nuvens, mas fechou a penúltima noite de festival com uma seqüência de ações que pareceram se perder na própria bizarrice.

Imagino que não por acaso o novo filme de Gabriel Mascaro tenha entrado no programa do festival na seqüência de Áreas Construídas. As coberturas de Um lugar ao sol surgem como um contínuo deste olhar sobre personagens e espaços. Mas, ainda assim, esta já é uma outra história.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Palavras das Imagens



Por Gianni Paula

A (quase) ausência da palavra foi a característica de identificação entre os sete curtas que formaram o programa A palavra das imagens. Nesta sessão, que abdicava das falas, as propostas também dispensavam as amarras narrativas e os filmes foram, antes de tudo, sugestivos e sensórios.

Nem marcha, nem chouta (Helvécio Marins Jr. ) e Tauri -foto- (Marcio Miranda Perez) parecem se aproximar por colocarem em cena as reações de uma criança. Enquanto na produção de Helvécio ocorre uma interação com um menino na feira, no qual é estabelecido uma espécie de "jogo", de enfrentamento do personagem com a câmera, no curta Tauri, um menino de 2 anos presencia uma briga na praia e a particularidade do filme não é a ação em si, mas a atitude desta criança. Apesar das situações serem distintas, os dois diretores se fixam nos personagens e as expressões deles determinam o tom dos filmes.

O curta Flash Happy Society (Guto Parente) fez um inteligente recorte do nosso tempo de apologia da imagem, no qual o registro dos momentos parecem superar a vivência em termos de importância. As cenas de um evento iluminado por flashs fotográficos combinadas ao áudio do filme dão a ele um caráter levemente hipnótico que é conduzido até o último minuto.

A brincadeira com as luzes também é um traço marcante na produção Sentinela (Cristiano Lenhardt), um vídeo que trabalha em cima de projeções e dialoga com as experimentações sugeridas pela videoarte. Já Sumi (Marina Fraga), filme que abriu o programa, trouxe referências de vídeo-instalação e propôs uma aproximação com os ideogramas japoneses, ao mesmo tempo em que indicava certo hermetismo naquela língua, a partir de uma construção fílmica igualmente hermética.

A memória de maio de 68 esteve representada pelo curta Bomba! (Lara Lima, Marcelo Lima e Renato Coelho) que adentrou uma temática simultaneamente rica e arriscada, já que existem muitas obras ambientadas nesta memória. A produção apostou em uma confusão de imagens que combinadas com algumas frases de efeitos deixou a sensação de mais do mesmo.

A arquitetura do corpo trouxe, para fechar a sessão, o contraste entre a leveza do balé e seus ensaios rigorosos, a beleza dos movimentos e a disciplina que eles demandam, o corpo estético e o corpo exausto. Os bailarinos, enquanto matéria-prima das imagens, ditam as cores, formas e texturas, em um dos curtas mais palatáveis do programa.

Tchau e Benção



Por Doralice Amorim

"Qualquer dia a gente se vê..."

A iminência do encontro e o fim de uma relação amorosa. Esses foram os pontos destacados por Daniel Bandeira, em seu novo curta-metragem, Tchau e Benção, que estreou, na Janela Pernambucana, na última quarta feira (21/10).

As músicas, que estão conectadas com a história, assim como a fotografia em preto e branco acentuaram o caráter melancólico da produção. O próprio diretor, afirmou, no debate realizado ao fim da sessão, que muito do que foi evidenciado, na filmagem, tinha haver com o momento que estava vivenciando e que este seria o seu primeiro e último filme sobre "casal".

Ao longo dos dez minutos do curta, a platéia fica na expectativa de presenciar um encontro (ou melhor, uma despedida) que nunca chega a ser concretizado. Tudo está pronto para o fim, mas por algum motivo, não há um contato físico que evidencie esse encerramento (talvez por ele já estar bastante claro).

O mais curioso da produção é observar como ela mexe com o público e, de alguma forma, conecta-o com àquela história. Os espectadores vivem o momento e imaginam o quanto constrangedor seria o encontro, ao mesmo tempo em que, esperam, por ele, ansiosos.

É interessante também como Daniel brinca com os gêneros e faz um drama com pitadas de terror. Enquanto a personagem recolhe as suas coisas e parece se despedir do apartamento, o ex-parceiro está no chão, se arrastando e espalhando sangue, por onde passa. A produção é bastante feliz em não se utilizar de diálogos ou narrações que só serviriam para falar, mais alto, o que já estava evidenciado através de imagens e de ações. Nesse caso, foi o silêncio, entre os personagens, quem contou a história.

A Solidão dos Corredores de Longa Distância



Por Doralice Amorim

A noite da última quinta-feira (22/10), da Janela, contou com uma seleção de filmes, essencialmente, pessoais. O segundo programa da Mostra Competitiva Brasileira preocupou-se em abordar o tema da solidão. O primeiro filme da sessão, Depois de Tudo (RJ, 2009)- foto , contou com um elenco de destaque. Ney Matogrosso e Nilton Parente formaram o casal que deu vida ao curta. A utilização de grandes celebridades pode, algumas vezes, atrapalhar a composição da história, pois o público atribui valores àqueles personagens que vão além das idéias propostas pelo filme. Para o diretor, Rafael Saar, a presença de Ney Matogrosso, na produção, é bem executada justamente por isso. Ele é um homem que carrega uma grande história e é identificado pelo público, principalmente, o brasileiro, como um símbolo da libertação sexual e a sua atuação só acentuaria a quebra das barreiras propostas pelo filme. É curioso observar também, como o diretor desenvolveu uma história bastante simples, na verdade, um recorte da vida de dois homens de terceira idade durante uma noite, e, em poucos minutos, construiu uma história de amor bela, marcada pela separação e pela espera.

Phiro (SP, 2008) pode ser considerado o grande destaque da sessão. Em 12 minutos, o diretor, Gregório Graziozi, construiu, talvez, o filme mais pessoal do programa ao retratar alguns momentos da vida seu bisavô. Phiro é um filme, essencialmente, sobre a ausência e Gregório consegue desenvolver muito bem essa proposta. Ao longo das gravações, ele mostra o vazio da casa do seu bisavô e o quanto essa ausência parece se encaixar, perfeitamente, com a realidade daquele senhor. A platéia vai conhecendo, aos poucos, os sentimentos de um homem de cem anos e a sua solidão diante da morte da esposa. O interessante é observar que a casa é apresentada, nos seus pequenos detalhes, evidenciando o vazio do personagem, ao mesmo tempo em que, cada objeto e cômodos estão marcados pela presença daquela mulher e pela jornada que eles atravessaram juntos. Com grande afetividade, o diretor compôs uma história sobre o amor e, principalmente, sobre o estar só, mas preocupou-se em valorizar também a importância de todos os anos que os seus bisavôs viveram juntos.

JLG/PG (SP, 2009), foi construído a partir de uma obsessão do diretor pela figura do cineasta Jean-Luc Godard. O filme retrata uma tentativa frustrada do personagem, o próprio diretor Paolo Gregori, em encontrar-se com quem, para ele, seria o grande nome do cinema mundial. O caráter invasivo e pessoal da produção conecta-o com os outros filmes, mas ela é, sem dúvidas, a mais "diferente" do programa. Contudo, tal evidencia não tira o mérito de JLG/PG participar da sessão. Paolo Gregori desenvolveu, de forma bastante inteligente, um filme que o conectou com o seu grande "mestre" não apenas no conteúdo, mas na forma com que ele foi construído. Os letreiros avermelhados que intercalam algumas cenas, assim como a construção de palavras, ("GOD ART", uma brincadeira a partir do nome do cineasta) aproximaram Godard do filme, mesmo contra a sua vontade.

O quarto filme da noite, Flores em vida (SP, 2009) contou com uma personagem encantadora. Lazara Crystal é uma senhora com idade bastante avançada e que ainda trabalha na sua floricultura. Os dois realizadores, Rodrigo Marques e Eduardo Consonni, tiveram a preocupação de trabalhar o cotidiano da personagem à medida que a apresentavam para a platéia. A partir de relatos, Crystal conta fatos da sua vida e fascina os espectadores pela sua desenvoltura e naturalidade. O último filme, Chapa (SP, 2209) retratou mais uma vez, o sentimento de estar só. A espera do personagem à beira de uma estrada contrasta a sua solidão e inércia frente à travessia de várias outras pessoas.

A SOLIDÃO DOS CORREDORES DE LONGA DISTÂNCIA


Jornadas próprias, razões específicas
Por George Carvalho

Algumas jornadas, por mais longas que sejam, precisam ser feitas, independente de se estar sozinho ou acompanhado. Nesse caminho, algumas companhias podem ser muito bem-vindas, mesmo que não fiquem por muito tempo. Essa é a sensação que os cinco filmes de A solidão dos corredores de longa distância, que integra a mostra competitiva brasileira da II Janela Internacional de Cinema do Recife, causa no espectador.

Detentores de uma trajetória que lhes é muito própria, os protagonistas dos curtas que integram o bloco têm razões específicas que justificam seus comportamentos. Em maior ou menor grau, as imagens projetadas tentam explicitar essas razões. O resultado são filmes que afloram sutilezas, seja no roteiro ou na captação.

Phiro, por exemplo, busca revelar os detalhes da alma de seu personagem principal através de planos fechados, com uma câmera que não se movimenta e que, em certos momentos, torna-se enfadonha – tal qual aquela solidão personificada na tela.

Depois de tudo e "Chapa" (foto) mostram a espera. Neste último, ela está latente no grupo de homens que aguarda trabalho na beira de estrada, na mulher que está na parada de ônibus, na outra que espera a melhora do irmão, em Antônio que muda sua rotina pela visita da filha.

Já em Depois de tudo, essa espera é infindável, cíclica, porém válida. Mas nem sempre é assim, haja vista a decepção que acomete o personagem de JLG/PG, uma espécie de autobiografia do encontro do diretor com o aclamado cineasta Jean-Luc Godard.

Completando o bloco, Flores em vida revela toda poesia por trás de uma idosa e sua floricultura. Com uma não-convencionalidade ímpar, o filme superdimensiona o universo dessa senhora, do qual só ela parece fazer parte junto com suas lembranças e seus anseios simples, como vender o relógio para comprar flores.

Sejam quais forem os motivos que levaram esses personagens a se adequarem a um mundo de buscas solitárias, essa opção é algo que apenas a eles compete. Decepcionante ou não, triste ou não, o fato é que todas elas se revelam apaixonantes.

A PALAVRA DAS IMAGENS



Arte Cinematográfica a conta-gotas
Por Bento Gonçalves

Com a obra Sumi (foto) a plateia é levada a uma viagem junto ao coração dos aspectos nipônicos, servindo os ideogramas como fio condutor de tal jornada. Aspectos psicológicos, econômicos e sociais são abordados nesse "semi-documentário" – imagens não possuem caráter cronológico nem planos fixos. Especial relevância à trilha sonora como auxílio narrativo, já que a obra não possui diálogos diretos.

A segunda atração, Nem Marcha nem Chouta, propõe, com nuances metalinguísticas, um exercício de interatividade câmera-objeto-plateia bastante curioso. Uma vez que em momento algum é dada indicação física da presença de uma câmera, tem-se a impressão de que os olhos da plateia servem como a própria câmera; encarando o protagonista e sendo encarada de volta por este.

A interatividade entre as esferas do "fazer cinema", "projetar o cinema" e o "assistir ao cinema" é sobremaneira desenvolvida em Flash Happy Society. Apesar de se tratar de uma experiência no mínimo incomum, à medida que a plateia começa a compreender a proposta da obra, esta não sofre acentuada progressão narrativa, tornando-se um tanto repetitiva. É relevante citar o argumento final, o qual levanta a questão de que a soma das partes (dos homens, sentimentos, ambições, egos) como condição essencial ao todo (a sociedade, a mente...).

Dando continuidade à sessão, Sentinela apresenta um aspecto plástico adequado, a fim de expor acerca das dicotomias presentes no mundo – fogo e mar, claro e escuro, bem e mal. Há um processo de dupla-inversão da realidade, já que a plateia é invadida por seres marinhos oriundos da mitologia popular, nadando no que espacialmente deveria ser o céu.

Mar é mar, céu é céu na terceira obra, Tauri. Possuíndo tons surrealistas e carga sociológica, discorre acerca do alheamento das pessoas no que tange à vida das outras (ou melhor: dos problemas dos outros). Por ser vista através dos olhos de uma criança, é dotada de tons cômicos. Apesar de possuir argumento provocativo, este é exposto de maneira sobremaneira direta, sem grandes recursos narrativos.

Criando um paralelo sutil entre os eventos de maio de 68 na França e no Brasil,
Bomba recorre ao tema do "semi-documentário". Destaque à utilização da trilha sonora e de inserções sonoras a fim de auxiliar a progressão narrativa.

A arte da dança e suas possibilidades são exploradas em A Arquitetura do Corpo. De forma competente, é apresentado um mosaico da população brasileira: suas cores, temperos, idades, classes sociais... todos unidos pelo amor à Arte. Assim como acontece na realidade, muito poucos se realizam plenamente. Destaque aos aspectos técnicos bastante desenvolvidos da obra, dotando-a de tom amadurecido, nessa "sessão-sensorial".

DIMENSÕES PARALELAS



Realidades que se cruzam no infinito
Por George Carvalho

Realidades distintas que co-existem ou co-habitam diferentes rincões reais ou imaginários. No bloco de curtas nacionais Dimensões paralelas, da II Janela Internacional de Cinema do Recife, os filmes trazem realidade que se mistura a imaginação e também a outra realidade, sem qualquer tipo de compromisso factível.

No primeiro dos quatro longas, o dia-a-dia de um manicômio prisional é revelado com foco na história de três personagens, com destinos próprios. A casa dos mortos tem o mérito de lançar um olhar diferenciado sobre aquele cotidiano à margem da realidade, apesar do tom didático ao extremo do roteiro dividido em capítulos, com textos em off que marcam o início de cada um deles e cujo sentido é justificado no final, quando é revelado ao espectador que o filme foi baseado em um poema escrito por um detento.

O baiano Nego fugido traz duas realidades que se confrontam, a partir de um ritual folclórico que envolve a cultura afro. Já o pernambucano Superbarroco (foto), de Renata Pinheiro, mais do que o enfrentamento de duas realidades, mostra como elas se complementam. O jogo com as projeções poeticamente inseridas no filme produz efeitos sublimes. O trabalho de fotografia bem-definido ajuda a criar esse impacto.

Mas no quesito fotografia – e talvez só nele –, o destaque do bloco vai mesmo para Quarto de espera. O roteiro extrapola os limites da verossimilhança e cria uma coerência própria para o filme. No entanto, a justificativa para isso não parece claro e seus doze minutos de duração terminam sem que se saiba a que veio, frustrando a atenção do espectador, conquistado pelo homem com uma máscara de gás que circula por um não-lugar qualquer.

O não-lugar, aliás, parece ser o cenário comum aos curtas desse programa. Com seus personagens que mergulham ou já estão inseridos em outras dimensões, o público também é convidado a integrar essas realidades paralelas, sem a consciência de que, talvez, elas possam se cruzar em algum infinito.

VOCÊ ESTÁ AQUI



Mas onde mesmo?
Por George Carvalho

O título do programa parece sugerir alguma localização exata, mas a sensação é exatamente o contrário. Os curtas que integram o bloco Você está aqui, da mostra competitiva internacional da II Janela de Cinema do Recife, trazem personagens perdidos ou em busca de algo que não sabem bem o que é, como a casa que serviria de locação para as filmagens no roteiro do tailandês A letter to uncle Boonmee (Uma carta para o tio Boonmee).

Para o protagonista de Vilay (Dissolução), sua localização incerta se estabelece no contraditório entre realidade e lembranças, presente e passado. Consumido pela ausência presença da avó, o personagem passeia por ambientes e paisagens distintos.

No italiano Domenica 6 Aprile Ore 11:42 (Domingo 6 de abril, 1:42), as contradições são ainda mais explícitas: nem as localizações geográficas exatas dos personagens e ações dadas no filme servem para situar o espectador nas conexões que se estabelecem entre os ambientes e seus habitantes.

A falta de orientação que acomete os personagens de Triangulum na sua busca pelo equilíbrio causa incômodo. Mais ainda pelo fato dessa paranóica desorientação não permitir nada mais que a projeção de algumas belas imagens.

Outras nem tão belas terminam por causar um impacto maior no espectador em Destination finale, pela simbologia que carregam. Neste último filme do bloco, a maioria dos nove minutos são compostos por imagens caseiras de um grupo de turista – um deles mais especificamente – em viagem pela Europa. As brutas foram encontradas em destroços do Vietnã invadido pelas tropas americanas.

E entre tantas viagens e pretensas localizações, Você está aqui traz histórias com deslocamentos físicos definidos, mas com jornadas psicológicas que apresentam nuances mais sensíveis e, por vezes, incertos. Isso remete ao questionamento que dá título a esse texto, num contexto que Freud já explica (ou tenta) há muito tempo.

As Manobras do Olhar



Por Gariela Alcântara

Estar num festival de cinema é alimentar a imaginação e as pupilas, ampliar a consciência de capacidade. Seguindo essa ideia, o Janela oferece uma maratona de olhares que são, no mínimo, diferentes daqueles que estamos acostumados a ver no cinema.

A sessão começa com Loop Loop, curta que brinca com a imagem, num ir e vir de várias coisas misturadas, com uma espécie de corrida para registrar tudo. O filme tem variações de velocidade e sons, indo pra trás e pra frente a todo instante, deixando o espectador meio atordoado na tentativa de também tentar ver, entender e registrar tudo. É como se o filme entendesse a sede da memória humana, e jogasse essa vontade imediata na tela.

Ainda mais agoniado é Murphy, de Bjorn Melhus, que mergulha de cabeça na desordem do abstrato, apresentando um curta de sensações, trabalhando com cores fortes e sons ansiosos e aflitos, que fazem com que o público feche os olhos e tenha vontade de sair da sala, tamanha é a bagunça. O curta lembra Blue, de Derek Jarman, na sua coragem de explorar de forma tão diferente a capacidade do espectador de sentir sensações.

Voltando para uma linha narrativa mais tradicional, Les Ongles também não deixa de surpreender. Contando a história de Antoine, que não pode parar de roer as unhas, mas se vê obrigado pelos amigos a fazê-lo durante uma festa, o curta segue o caminho do terror, quando todos descobrem o porquê do rapaz não poder parar de roer nem por um minuto. A câmera é amadora, seguindo o exemplo de filmes que tentam flertar com o documentário, como Rec, mesmo apesar dos claros efeitos especiais presentes. Fantástica a ideia de ver o quanto se pode brincar com um simples vicio, trazendo imagens meio loucas e exageradas, mas que nem por isso deixam de causar uma certa agonia em quem as vê.

Continuando pelo caminho mais comum, o alemão Milbes traz um stop motion fofo, com uma fotografia que lembra bastante Amelie Poulain, e a história divertida de uma senhora que mora sozinha com ácaros gigantes. O cenário maquete e os ácaros espalhados por toda parte ajudam a compor a fantasia, dando ares infantis que acalmam a sessão, depois de tantos curtas aflitivos, que tinham deixado o público meio elétrico.

Ao final da sessão, os espectadores saem lembrando que um filme pode ser feito de inúmeras formas, pois a habilidade que temos de registar imagens, imagens e mais imagens é enorme, o importante é não perder a criatividade, afinal de contas, como disse Matheus Nachtergaele em Baixio das Bestas, de Cláudio Assis: "O bom do cinema, é que no cinema tu pode fazer o que tu quiser".

Participaram também da sessão os curtas Fugue, de Galina Myznikova e Sergey Provorov, Blind Bund, de Seb Coupy e Plane days, de Benjamin Kracun e Ewan McNicol.

Everests Pessoais

Por João Roberto Cintra

CLIMB EVERY MOUNTAIN...

Dois homens escalam uma montanha. Força física, esforço, pedras. O primeiro filme da sessão Everests Pessoais é quase um prólogo do que vai-se seguir. Histórias de conquista pessoal e superação que felizmente não resvalam em auto-ajuda. Two days (FRA) pode ser ligado inversamente a Houna e Manny (EUA). Enquanto há uma certa disputa entre os dois homens no primeiro – evidente pelo som apenas do fôlego dos dois, nenhuma palavra, nenhum conforto –, o segundo, sobre duas imigrantes nos EEUU, mostra personagens que encontram sintonia nas dificuldades comuns.

A semelhança dos títulos Um dia na sua vida (EUA) e Um dia na vida (Hong Kong) mais do que unir os filmes distancia-os. O primeiro, tendo uma jovem em seu apartamento como personagem, é um exercício egoísta de quem insiste em sofrer apenas para sentir pena de si mesmo: clichês românticos/depressivos, em uma narração quase prescritiva de alguém que gosta de estar na posição de vítima. Diretamente oposta ao dia que representa toda a vida da senhora do filme oriental: fragilizada pela idade, mas sem demonstrar fraqueza, um dia para ela é sempre trabalho duro, mas também a possibilidade de mudança e negação de dificuldades (como a falta de dinheiro e a ausência do filho), além de esperança e ternura com a neta que cuida. Não há tempo aqui para sofrer – e ainda mais lamentar o seu próprio sofrimento.

Não há paralelos tão evidentes, entretanto, para Nora (EUA). Como contar a história de uma bailarina africana que migra e se profissionaliza nos EEUU? A partir desse mote, o filme vira uma explosão sinestésica que parece situar o espectador na definição do cinema como sétima arte: não só a última a ser criada, mas a junção de todas as outras. Cores, sons, dança, tudo apela aos sentidos, sem cair apenas em experimentalismos: a história da bailarina é coerentemente contada a cada grito, pé no barro ou flor amarela que aparece. Tudo faz sentido, e apela aos nossos. Nora, o filme, é acima de tudo um exercício de metalinguagem que define Nora, a pessoa, como sempre foi: protagonista da sua própria história. Não há montanha que não se possa escalar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sensações de Inadequações



Os objetos que as detonam
Por George Carvalho

Um chocolate branco, um óculos, uma camisa melada. Não passariam de simples objetos se não personificassem a inadequação ao ambiente onde estão inseridos dos protagonistas de Laurita, O presidente e Nº27 (foto), três dos quatro curtas brasileiros reunidos no programa Sensações de inadequação, da II Janela Internacional de Cinema do Recife.

Para o quarto filme do bloco, O menino que plantava inverno, esse objeto acaba se revelando a própria vida do menino cujos pais foram mortos por um dragão antes mesmo dele nascer. Para matar o monstro e recuperar a vida dos genitores, o garoto planeja congelar o animal e chega até a plantar gelo. A fábula de Victor-Hugo Borges termina com uma moral estranha, para não dizer inadequada (com o perdão pelo trocadilho), que derruba a atmosfera de poesia fantástica que a animação tenta criar.

Os paulistas Laurita e O presidente exalam sutileza através do universo infantil de seus personagens Laura e Victor, respectivamente. A garota que vive com a mãe na casa de parentes transgride regras estabelecidas implicitamente para sua condição de agregada. Um chocolate branco aparece como o estopim dessa situação, que resulta na saída de Laura e da mãe do lar que não é seu.

Já Victor é uma criança cuja visão perfeitamente sadia impede que ele realize o sonho de ter seus próprios óculos. Entre idas a oculistas e a mania de usar óculos alheios, o menino acaba enxergando mais do que devia, causando um mal-estar na relação entre mãe e filho. Nos dois filmes, destaque para as interpretações convincentes, principalmente dos jovens atores, e para as personagens bem construídas e delineadas.

De Pernambuco, vem o N°27 e a discussão sobre bulling. A situação inusitada pela qual passa um adolescente com problemas gastro-intestinais serve como mote para suscitar os questionamentos acerca dessa prática. O roteiro bem-estruturado parece saber bem onde quer chegar, mas acaba passando do ponto: as duas últimas cenas, com a psicóloga e na sala de aula após o incidente, pouco acrescentam à obra cinematográfica.

Em Sensações de inadequação, a vontade e os esforços nem sempre válidos de querer se descobrir como parte de um todo unem os personagens retratados nos quatro filmes. Situações assim não são raras no dia-a-dia. A diferença pode estar apenas nos objetos que as detonam ou na maneira como ocorre. Logo após, é quase certo que algo mude, embora não se saiba necessariamente o quanto isso é bom ou ruim...

Amor, Perdas e Danos


Foto: Please say something

Não necessariamente nessa ordem
Por George Carvalho

Os danos, tal qual o amor, não são mensuráveis: são perceptíveis. E a morte como um desses males - talvez o mais lacônico, porém longe de ser o mais latente –, aparece nos seis curtas estrangeiros que integram o bloco de filmes intitulado Amor, perdas e danos, da segunda edição da Janela Internacional de Cinema do Recife.

No paraguaio-argentino Noche adentro (Noite adentro), que abre o bloco, o fator morte surge no início, tanto da trama quanto da vida conjugal de um casal cujas bodas ainda estão sendo comemoradas. Durante os dezessete minutos do filme, ela vai sendo consumida à medida que consome os protagonistas.

Já na animação sueca Drömmar fran skogen (Sonhos da floresta), que encerra o programa, a morte aparece personificada na figura de uma caveira, um dos três personagens da história que encanta não pelo enredo em si, mas pela forma como ele é contado, através do recurso de luz e sombra.

No entanto, se neste caso a forma subjuga o conteúdo sem prejudicar o todo, o mesmo não acontece com Please say something (Por favor fale alguma coisa), co-produção da Alemanha e da Irlanda. A psicodelia extrema compromete uma maior apreciação do romance entre uma gata e um rato, bem como de todos os nuances que essa relação pode oferecer, mesmo se passando "num futuro distante".

O curta de animação norte-americano Horn dog (Cão tarado) e o alemão Rikkomus (Afronta) usam a morte como um dos elementos de desfecho. Os danos daí advindos, não necessariamente prejudiciais, também são insinuados nos filmes. No primeiro, vale destacar as ironias de um roteiro criativo; já no segundo, a dissimulação da protagonista de um enredo com situações pouco originais.

Dos filmes do grupo, o espanhol Cabaret Kadne (Cabaré Kadne) é o que lida com a morte – e consequentemente com os demais elementos presentes no título do programa – de maneira mais sutil. A utilização de bonecos para retratar os artistas de cabaré que sobrevivem da paixão não poderia ser mais justificada.

E na tela, assim como fora dela, vão se sucedendo amores e perdas – não necessariamente nessa ordem – captados de diversas formas: breve, poética, confusa, concisa, dissimulada, sutil. Quanto aos danos, são a própria projeção dos outros dois – ou não são nada além disso.

Dimensões Paralelas



Por Maria Doralice Amorim

"O cinema atinge sempre o seu melhor quando o homem-cineasta consegue (...) nos fazer entrar no seu sonho". (François Truffaut)

As realidades paralelas foram os grandes destaques do quarto programa da Mostra Competitiva Brasileira, exibido na última terça feira (20/10) na Janela. O primeiro filme da noite, A casa dos Mortos (DF, 2009)(foto) faz um relato interessante da vida de alguns homens em um Manicômio Judiciário na Bahia. Nesse documentário cinematográfico, a diretora e também antropóloga, Débora Diniz, teve o cuidado de mostrar aquelas pessoas não como mero "objeto de investigação e estudo", mas sim como personagens de uma mesma história que se repetia e, por isso, precisava ser evidenciada.

Débora tem grande mérito em abordar um tema um tanto polêmico de forma bastante natural. O filme conseguiu dar visibilidade e voz para um grupo de homens, geralmente, esquecido e entregue a uma mesma realidade, "ao destino de sempre, é que aqui é a casa dos mortos", como dizia Buba (interno) no poema que deu nome ao filme.

O segundo filme apresentado, Quarto de Espera (RS, 2009), não obteve um retorno tão favorável. O filme, de nítidas influências asiáticas, tentou transmitir uma sensação pós-apocalíptica, utilizando-se de ruas desertas, de cores acinzentadas e tendo como personagem de destaque um jovem usando máscara de gás (como se tentasse sobreviver àquela realidade que restava). Na verdade, a produção conseguiu imprimir na platéia uma grande inquietação, a dificuldade de respiração do jovem através da mascara, assim como suas ações em meio a uma cidade vazia, despertaram sensações de inadequação e de intranqüilidade. Talvez tenha sido esse o objetivo dos realizadores ao desenvolverem uma produção com tons tão frios e mórbidos.

Nego Fugido (BA, 2009), é, antes de tudo, um filme convidativo. Os realizadores tentaram transmitir, da forma mais expressiva possível, à platéia a dramaticidade da manifestação do Nego Fugido, no Recôncavo Baiano. Os jovens apresentados, na produção, são aparentemente "estrangeiros" àquele ambiente e, como os espectadores, tentam entender o caráter representativo da festa. A velocidade da câmara e a montagem ágil das imagens são utilizadas como forma de transmitir, para a sala de cinema, o caráter real e lúdico daquela manifestação. A clara inversão de papéis proposta pelos diretores, onde o jovem decide participar da manifestação diretamente (o branco faz o papel de nego fugido) é o ponto nítido de quebra da barreira entre aqueles que participam e povoam o imaginário da representação e aqueles que não pertencem ao ambiente, mas por alguns instantes, querem entender e compartilhar de uma experiência, aparentemente, tão significativa.

O último filme da noite, Superbarroco (PE, 2009) da pernambucana Renata Pinheiro, foi destaque em festivais como o CinePe e a Quinzena dos Realizadores, em Cannes. O Filme consegue, de uma forma belíssima, transpor sensações e mesclar variadas possibilidades visuais para a tela. Como no barroco, Renata trabalhou os contrastes, do real e do imaginário, do alegre e do triste, através de um personagem que já está com uma idade avançada e parece criar um mundo paralelo para dar vida aos seus mais diversos sonhos. A produção é constituída de uma mistura de experimentações visuais, musicais e artísticas que no final dão certo e encantam os espectadores pela beleza com que tudo foi construído. A cena da festa, na qual o personagem real, de Everaldo Pontes, se mistura com projeções de pessoas e músicas, dá uma sensação incrível para platéia, pois, através dela, Renata conseguiu unir dois mundos, duas realidades paralelas em um só momento.

Everests Pessoais



Por Gabriela Alcântara

"Não quero saber como as coisas se comportam, quero inventar comportamento para as coisas”. A frase, de Clarice Lispector, encontra encaixe em boa parte dos filmes que compõem esse programa do Janela. Levantar a cabeça e continuar lutando, inventar novas formas de viver feliz, superar barreiras, sejam elas impostas pela sociedade, pelo próprio consciente dos personagens, ou físicas.

Os dois caminhos a serem seguidos, ir em frente ou desistir, continuar subindo, procurando o topo, eis o tema de Two Ways (foto), de Viola Groenhart. Nesse curta, a câmera acompanha dois homens que escalam uma montanha, com dificuldade e cansaço. A partir de certo momento, o clima tenso, e a agonia pairam na sala, que acompanha aflita o respirar ofegante dos personagens, enquanto vê a possibilidade de cair a qualquer momento em uma das pedras escorregadias, e o topo que nunca chega. A técnica usada para filmar o curta é tão interessante - principalmente no enfoque tremido dado às pedras, como o olhar de quem já está andando há tempo demais - que o público se transfere para o papel dos atores, com uma angústia tremenda, um anseio de ver como é o mundo do alto da montanha. A angústia se transforma então rapidamente em decepção, ao perceber que a câmera, ao contrário do esperado, não continua a subir, mas inicia uma descida triste, como se houvesse ali uma espécie de desistência, quando já estávamos (os personagens e o público) tão perto de nosso objetivo.

Nora, um dos filmes mais belos do festival, traz uma narrativa inovadora, com performances e danças, que enriquecem a história da dançarina nascida em Zimbabwe. Os cenários são lindos, e o curta apresenta uma visão diferente da que geralmente é mostrada nos filmes que falam de alguma forma do povo do continente africano. Mesmo que não deixe de lado as dificuldades da população, Nora investe num olhar mais alegre, e isso fica claro principalmente graças às danças e performances presentes em algumas cenas, além de leves toques humorísticos utilizados para representar partes da narrativa, como a forma encontrada para mostrar a mudança constante da personagem e seus irmãos, após a separação dos pais. Com a história verdadeira de uma mulher forte, que escolheu não se submeter às expectativas de terceiros, mas inventar para si outro futuro, o filme conta ainda com uma fotografia incrível e tomadas fantásticas, que aumentam o tom poético do curta.

Seguindo o caminho oposto, A Day in your life pode levar o espectador a sentir, por vezes, um certo constrangimento, tal é o tamanho da pieguice em algumas cenas. A jovem solitária e triste, que fuma na janela de casa, enquanto o narrador faz observações supostamente "profundas" é tão lugar comum que já não emociona mais. Com uma possível inspiração nos textos de Caio Fernando Abreu, a tentativa de seguir a linha narrativa do escritor e adaptá-la ao cinema, nesse filme, certamente não foi feliz, ganhando um tom extremamente cafona.

Logo após o pequeno desastre, e com título quase idêntico, A Day in a life vem para emocionar. O curta conta a história de uma senhora que mora em Hong Kong, e passa o dia inteiro trabalhando, na tentativa de sobreviver e dar uma vida melhor à sua neta. O filme de Kwok Zune é triste, e traz à tona a reflexão acerca do tratamento dado aos idosos, que tendem a ser desvalorizados e tratados de forma diferente, inclusive por familiares. Quando a sessão acaba, o público sente o coração apertado, tendo frescas na memória algumas cenas da história da avó que sempre foi uma batalhadora, e não se deixa abater facilmente. Esteve presente também no programa o filme Houna and Manny, de Jared Katsiane.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Do Lado de Fora Tentando Entrar



Por Gianni Paula de Melo

Em dizeres de Guimarães Rosa, "a gente nunca deve declarar que aceita inteiro o alheio" e esta posição é bastante sensata. As dificuldades de acolher o diferente e aprender a conviver com ele remetem a preconceitos históricos das sociedades, além de uma franca tendência à marginalização de grupos minoritários. Porém, os mesmos personagens que a vida ignora, a arte adota. E se isso não resolve, ainda assim é alguma representação.

Os quatro curtas-metragens que formaram o programa "Do lado de fora tentando entrar" evidenciam, exatamente, estes personagens que estão à margem. Metropolis Ferry (Juan Gautier, Espanha) - foto - e Una y otra vez (Antonio Mendez Esparza, Estados Unidos) apresentaram duas abordagens da situação dos imigrantes. Para uma temática tão conflituosa, mas, ao mesmo tempo, recorrente, é esperado um esforço no sentido de não produzir mais do mesmo. Um esforço que nem sempre é feito.

Em Metropolis Ferry, o tratamento violento que os policiais da fronteira concedem a um garoto que tenta entrar ilegalmente no país gera indignação em alguns jovens que estão voltando de viagem. No entanto, o filme mostra como as indignações são temporárias (e tem vida bem curta), pois o personagem David, que ao ajudar o garoto parece obedecer a um anseio da consciência, logo percebe que seu julgamento romântico e seu envolvimento com a situação são arbitrários.

Já o curta Una y otra vez aponta as dificuldades do imigrante, ainda que legalizado, para ser aceito e alcançar alguma importância longe de casa. Uma história que já foi contada várias vezes e que, neste caso, se utiliza de uma fórmula de poucos riscos, mas também de poucos méritos. Enquanto, no primeiro, o sonho da Europa, neste, o sonho da América: nos dois, as velhas expectativas por lugares que solucionam problemas. Não solucionam.

O documentário Was Übrig Bleibt (Fabian Daub e Andreas Graefenstein, Alemanha) ainda que também retrate personagens que a sociedade ignora, traz na contramão dos primeiros curtas uma sensação de contentamento e ingenuidade. Os dois mineradores ilegais da Baixa Silésia parecem não querer nada diferente do que é – nem no presente, nem no futuro - e a essa sensação soma-se a estética do filme que está sempre sujando a tela com um preto de carvão.

Finalmente, Peau Neuve (Clara Elalouf, França), o último filme do programa, explorou a rotina democrática dos banheiros públicos, a partir dos vários planos de um mesmo ambiente. Ainda que povoado por figuras extremamente banais, como as dos demais curtas, o filme soou um pouco anacrônico junto aos outros.

Interações humanas peculiares



Por Doralice Amorim

Na segunda noite da Mostra Competitiva Internacional (18/10), as Interações humanas foram abordadas na programação da Janela. Ao fim da sessão, alguns da platéia afirmaram não conseguirem evidenciar uma unidade nítida entre os filmes apresentados. Talvez essa diversidade tenha sido o pondo forte da programação. A partir de histórias bastante variadas, foi possível estabelece-se um elo entre os personagens apresentados, suas vidas, seus relacionamentos e conflitos.

O primeiro filme, Nós, 1ª pessoa do plural (Alemanha, 2009)- foto -, talvez tenha sido o mais convidativo da sessão. Logo nos primeiros instantes da produção, o personagem fala, diretamente, para público, dando a entender que a partir daquele momento todos, inclusive, os espectadores vão se deparar com histórias e questionamentos comuns aos homens. Esse sentimento de coletivizar o seu filme, no sentido de, através dele, conseguir atingir toda a platéia e incitá-la a fazer também parte daquele universo, está sendo uma constante entre os realizadores da Janela.

O filme universaliza todos, pois trata, essencialmente, de padrões humanos que se repetem, de histórias de amor que tem o mesmo fim, e da previsibilidade que parece ser latente ao homem. A partir de narrações que vão se encaixando, em sintonia, com as imagens apresentadas, a platéia tem a sensação de pertencer àquele meio, de ser talvez uma daquelas pessoas presentes na multidão, de compartilhar as mesmas perguntas. E tenta entender, como o personagem, o que seria necessário para a renovação humana?

Dearest(Canadá, 2008) tratou, em apenas cinco minutos, das interações humanas em seus momentos mais íntimos e efêmeros. O diretor Ian Strang, presente na sessão, ressaltou que teve a idéia para o filme, após ver uma exposição de Monet, e, como o pintor, tentou interpretar e representar os momentos mais fugazes e passageiros da vida, através da sua arte. O Jardim de Inverno (Inglaterra, 2008), uma animação de dois minutos, também abordou as relações humanas diretamente. De uma forma bastante sutil e engraçada, os personagens tentam superar o tédio e chateação e os espectadores se rendem as risadas. Talvez por entenderem o quanto uma tarde aparentemente tranquila pode ser monótona.

A noite foi encerrada com uma produção portuguesa bastante simpática e mágica. Canção de Amor e Saúde(Portugal, 2009) conta a história de um homem em busca amor. O personagem, João, é o único funcionário de um estabelecimento comercial de chaves e sua vida fundamenta-se na possibilidade do encontro amoroso. Seu trabalho, mesmo desinteressante, é o ponto de partida para a sua realização. O colorido, as músicas e os comportamentos dos personagens, fazem do filme uma produção peculiar e interessante, onde o real e o fantástico se misturam e o sonho ganha um destaque singular.

O filme Jade (Inglaterra, 2009), de Daniel Elliot, também foi apresentado na sessão.

Do Lado de Fora Tentando Entrar



Por Bento Gonçalves

A primeira atração, Metropolis Ferry, trata-se uma obra no mínimo provocativa. O enredo não se preocupa em ser bastante desenvolvido, possuindo uma função essencialmente utilitária: situar o espectador temporalmente e localmente; assim como, sobremaneira, fornecer o mote dramático ao desenvolvimento do argumento. Os aspectos técnicos da obra são competentes na medida de expor a evolução argumentativa desta.

Voltando de uma viagem ao Marrocos, jovens espanhóis, dentre os quais um aspirante a advogado, testemunham a detenção de um menor de idade marroquino que tenta migrar à Espanha e decidem auxiliá-lo. Até este momento, os papeis narrativos encontram-se bastante delineados, até certo ponto beirando ao clichê: os jovens - herois visionários, lutando pela justiça; contra os policiais – caracterizados como forças antagonistas. Trata-se, sobretudo, do idealismo ingênuo versus o realismo e pragmatismo. Dicotomia também presente na idealização dos sonhos e planos do migrante e o choque com a realidade.

Enquanto o espanhol tenta persuadir o imigrante de que a ideia que possui da Europa não passa de uma ilusão midiática ("A Europa é uma mentira."), eis que recebe a resposta e, numa fantástica reviravolta argumentativa, o jovem assume as falácias que por tanto tempo acreditou e defendeu; passando por um processo de crise de consciência e posterior amadurecimento de forte carga realista. Dotando a obra de dimensões psico-sociológicas sobremaneira mais abrangentes. Impressionante.
E, lavando suas mãos, o jovem entrega o menor aos cuidados policiais, como quem deixa para trás a ingenuidade da juventude e encara a vida adulta, com todas as abdicações românticas que ela demanda.

Inércia. Eis o termo que melhor se adéqua à situação dos protagonistas do segundo curta exibido, Deixados para Trás, obra alemã que foca o cotidiano de dois mineiros habitantes da Baixa Silésia. Contrastando com película anterior, que versa sobre evolução e (pelo menos tentativa de) superação das dificuldades decorrentes de um status quo hostil, aqueles aparentemente encontram-se estáticos no tempo, vivenciando um processo de auto-decadência e autodestruição. A obra possui um tom documental mais acentuado, cuja fotografia é fortemente influenciada pelos tons acinzentados, recorrendo à mente do espectador falta de perspectiva de vida (cor). Competente interação plástica entre o argumento e o meio em que os personagens vivem.

Dando continuidade à noite, Uma e Outra Vez (foto) recorre à sessão o tema de imigrantes. Neste, a dicotomia entre evolução e conformismo parece funcionar como núcleo sintetizador das obras anteriores. A linguagem falada converte-se num catalisador a tal argumento – enquanto imigrantes mexicanos, o casal protagonista não domina o inglês e, assim sendo, toda a obra é falada em espanhol. Fato somente quebrado numa breve cena, na qual ela começa a aprender a língua, a fim de evoluir e alterar o meio sofrível em que vive. Enquanto ele, sem grandes perspectivas econômicas, contenta-se com o (muito) pouco que possui. Atos divididos de maneira didática conferem à obra um tom um levemente jocoso, quebrando o clima sociológico de sua temática.

Findando a sessão, temos o divertido Pele Nova, como resultado de todo um processo abordado nos três curtas anteriores: a diversidade étnica fruto da Globalização. É muito curioso assistir ao desfile de tipos humanos, os mais comuns possíveis. Trata-se de uma quebra no tom mais solene das obras anteriores, e uma ótima maneira de encarar um tema tão vasto. Neste mundo que, felizmente, tanto insiste em mudar e formar tantas novas peles.

As Imagens Doce-Amargas

Por George Carvalho

Cotidianos adocicados pelo cinema

Personagens em foco, carregados de poesia. Seja ela mais urbana e contemporânea, como a que aparece em A mulher biônica, mais ingênua e graciosa, como a de Sweet Karolyne, ou ainda mais dócil e romântica, como a que cerca a relação dos personagens em O teu sorriso. Esse é o mote do programa "As imagens doce-amargas", que integra a mostra competitiva brasileira do Janela Internacional de Cinema do Recife, em sua segunda edição.

Além desses três filmes, há ainda um quarto, Matryoshka, cuja poética lida com a perda de identidade que sucumbe à protagonista, tal como a lenda da boneca russa que nunca cumpriu a finalidade para a qual foi confeccionada, apesar do seu destino não parecer tão ruim.

Oriundos dois deles do Ceará, um da Paraíba e outro do Rio de Janeiro, o conjunto de sensações que esse bloco permite ao espectador vai do riso espontâneo diante da simplicidade de uma garotinha que tem como animal de estimação um galo chamado Jarbas, ao prazer despretensioso pela vida quando é projetada na tela a intimidade de um experiente casal ratificando, enamorados que estão, que não há idade para ser feliz.

Na tela, uma sucessão de histórias com pitadas amargas transmitidas com poesia e doçura: uma criança que sabe bem pouco da vida e fala da morte com aquela naturalidade que só possui quem não conhece o sentimento de perda que aquele substantivo denota; uma mulher que descarrega sexualmente, com um desconhecido, no cinema, as tensões advindas de um cotidiano opressor. E a cada projeção o público vai sendo conquistado, se deixando envolver pelas histórias e personagens retratados.

Nem a pouca desenvoltura técnica do elenco de A mulher biônica compromete esse envolvimento, cujo ápice de consolidação se dá mesmo no último filme do bloco. Aliada a competência de Paulo José e Juliana Careiro da Cunha, o universo de O teu sorriso parece ultrapassar a tela, contagiando a sala de exibição pela simples possibilidade daquilo retratado por Pedro Freire ser verossímil, plausível, contínuo.

No entanto, na ordem em que são exibidos, o filme de Salomão Santana, Matryoshka, sai um tanto quanto prejudicado. Intercalado entre o relato despretensioso de Karolyne e companhia, captado por Ana Bárbara Ramos, e o sorriso sublime de Freire, a linguagem singela e sutil de Salomão acaba por representar uma quebra brusca de ritmo e continuidade do bloco de filmes, a qual não passa despercebida pelo público.

E diante da poesia e do amargor do dia-a-dia ali revelados, esse bloco de curtas brasileiros traz a certeza de que o olhar cinematográfico é uma das melhores maneiras de adocicar a vida. Mesmo que seja a dos outros, pois esse é um pré-requisito para se colocar como numa janela, apenas a observar.

Sensações de Inadequações

Por João Roberto Cintra

A DISNEY NÃO É AQUI

É peculiar que em uma sessão chamada "Sensações de Inadequação" três histórias sejam sobre crianças - e a última sobre um adolescente. O saudosismo que costumam ter os adultos sobre essa fase fantasia a tensão e a solidão de quem ainda está nela.

Em Laurita, de Roney Freitas, a leve, mas presente, sensualidade de uma menina de 11 anos dá o tom da consciência (ou despertar dessa) do próprio corpo e do mundo. Várias mulheres dialogam ao longo do filme, em um encontro que coloca em evidência o universo feminino pela analogia da disputa pela voz da família naquele espaço reunida: de repente as brincadeiras de infância não acabaram, ou são preparações para as relações de poder da vida adulta.

A animação O menino que plantava invernos, de Victor-Hugo Borges, é para quem vê uma referência clara ao universo soturno de Tim Burton ("A noiva cadáver"). Um menino tem os pais mortos antes de nascer e quer trazer um inverno severo para espantar o dragão que, acredita ele, matou seus pais. Uma animação competente e bem realizada, sombria no tema e nos traços dos personagens, que ainda usa do cinismo e humor negro para dar vida (!) à família improvável de pais mortos e do filho "vivo demais".

Com "O presidente" a diretora Luiza Farale, presente na sessão, monta uma trama aparentemente simples sobre um menino cujo sonho é ser presidente dos Estados Unidos, e quer usar óculos porque acha que os presidentes usam. Entretanto, existem inseridas pequenas situações contraditórias, de amor e ódio: uma senhora que mantém um gato de estimação, apesar de ficar sempre arranhada; ou da mãe do menino, entre o dever de mãe e o desejo de mulher. Nesse meio tempo, o menino tenta dar um foco para sua vida, procurando diferentes óculos, enquanto que seu sonho não é levado a sério.

No último filme, “Nº 27”, competente trabalho de Marcelo Lordello, uma situação simples de desconforto toma grandes proporções para um adolescente que não sabe o que fazer. Trancado no banheiro, tenso e com vergonha, ele é confrontado pelos colegas e pela própria cabeça - evidenciado pela insistente câmera no seu rosto - cuja vontade é apenas de sumir. Situações de bullying (violência física ou psicológica comuns na adolescência) mostram a crueldade que o universo juvenil pode trazer, transformada na disfarçada indiferença dos pais, cuja preocupação com o filho é de ordem mais "logística" (passar de ano, fazer provas) do que de bem-estar. O diretor ainda chama atenção para o sistema de educação simbolizada pela prova de múltipla escolha – uma educação "bancária" no termo cunhado por Paulo Freire e na sua relação também com o sistema capitalista.

Walt Disney fez um bom trabalho minimizando o lado sombrio que existia nos contos de fada em sua origem. Mas nem sempre ele está presente para fazer finais felizes. Às vezes a arte imita a vida.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sensações de Inadequação

Por Gabriela Alcântara

A tal da adaptação

Sendo até agora o melhor programa deste Janela, o Sensações de Inadequação traz filmes pessoais, que dialogam e conquistam o público pela grande semelhança que têm com ele, com as situações difíceis que todos passam ou passaram no dia-a-dia, na tentativa de adaptar-se.

Para alguns, a escola é o ambiente mais cruel quando se trata da tentativa de busca de identidade, de se encaixar. É assim que começa a narrativa de nª 27, de Marcelo Lordello. O curta conta a história de Lucas, aluno do ensino médio, que tem dor de barriga durante uma prova, e se tranca no banheiro do colégio. Com a câmera focada a maior parte do tempo em Caio Almeida, que interpreta o personagem Lucas, o filme tem um clima tenso, já que a partir de uma série de desventuras o menino não quer deixar que ninguém entre no banheiro. Cria-se então uma grande confusão na instituição, que acaba com o personagem saindo do banheiro escoltado pelo coordenador, enquanto vários outros alunos do colégio saem correndo atrás deles, entre gritos e brincadeiras de mau gosto. O filme segue mostrando como a maioria dos adolescentes não tem noção do limite de crueldade, e como alguns pais não se dão conta do impacto de alguns acontecimentos na vida de seus filhos.

Inspirado numa história real, que aconteceu com um amigo de Marcelo, nª 27 toca de forma interessante muitos espectadores que também foram vítimas de bullying, levantando inúmeros questionamentos, principalmente acerca da metodologia de ensino na maioria dos colégios de hoje, e na forma como eles tratam os seus alunos.

Em O menino que plantava invernos, Victor-Hugo Borges fala da adaptação de uma forma diferente dos outros curtas que compõem o programa. Com um estilo de animação sombrio, porém fofo, que lembra claramente os traços do cineasta americano Tim Burton, Victor nos apresenta o conto de um menino que nasceu de um casal de defuntos, vítimas de um dragão. Como acredita que o dragão seja de fogo, ele pensa que pode matar a criatura e recuperar a alma de seus pais, se trouxer à terra um rigoroso inverno. Para conseguir "cultivar" o inverno, o menino planta uma pedra de gelo, mas acaba descobrindo que o problema não está no fato de seus pais serem dois cadáveres, e sim em outra coisa.

Com ironias diante dos desenhos sombrios e com cenas que geralmente apresentam cores escuras, mas com uma história delicada e divertida, o curta ajuda a descontrair o público diante do drama dos outros filmes da sessão, mas não por isso deixa de criar reflexões no espectador, provando mais uma vez que animação também é coisa de gente grande.

A seleção traz ainda os curtas Laurita, de Roney Freitas, e O Presidente, de Luiza Favale. Contando com interpretações incríveis das crianças, que praticamente sustentam os filmes envolvidos nessa mostra, principalmente nesses dois, conhecemos diferentes casos que ocorrem todo dia, e que casam perfeitamente com o título da sessão, com histórias que caminham juntas, onde os personagens fazem uma busca por uma coisa aparentemente simples: a aceitação da sociedade que os cerca.

O Teu Sorriso

Por Gianni Paula de Melo

A transa apaixonada que abre o curta O teu sorriso , de Pedro Freire, assim como as declarações e mimos mútuos dos seus personagens, são próprios dos inícios de namoros. Suzana tem 60 anos e Rodrigo 72, mas eles não se conheceram ainda jovens, nem se casaram e nem tiveram filhos. Namoram há apenas um mês.

O filme, que já havia sido exibido no Festival de Gramado deste ano, é um elogio à passagem do tempo e desmonta certo estereótipo que construímos sobre relacionamentos. O desenrolar do enredo nos mostra a leveza com que os personagens encaram o envelhecimento, os cabelos brancos e os novos limites do corpo.
Atores de rostos familiares, Paulo José e Juliana Carneiro Cunha interagem com certa doçura e a encenação deles intensifica a naturalidade daquela relação. Os personagens se mostram "felizes pra caralho", mas sem a urgência dos jovens amantes. Como em música de Caetano Veloso, "sem desespero, sem tédio, sem fim".

Com um enredo linear, o filme todo se passa em um apartamento, a história é bem executada e os diálogos são felizes pelo teor espontâneo. Se comparada a maioria dos curtas exibidos no Janela até agora, em geral mais inventivos, a construção da narrativa em O teu sorriso remete às produções mais comerciais do cinema brasileiro.

No entanto, cumpre ao que se propõe. Em 12 minutos de romance, o público pode repensar, a partir da história de Suzana e Rodrigo, o próprio enfretamento com a idade e perceber que sempre é tempo de [re]começar.

domingo, 18 de outubro de 2009

As Imagens Doce-Amargas














(Foto: A Mulher Biônica)

Por Doralice Amorim

A Mulher Biônica (CE, 2008) de Armando Praça, deu início ao segundo programa da Mostra Competitiva Brasileira, na noite de sábado (17-10-09). O diretor foi feliz ao trabalhar a idéia da força da mulher biônica em contraponto com uma personagem que é, na verdade, sofrida e infeliz. Marta é construída em função dos seus dilemas, na sua convivência com os outros e consigo mesma. Os espectadores têm a impressão de estarem contemplando as ações e lembranças, não só da personagem, mas de diversas outras mulheres que são obrigadas a desenvolverem superpoderes para enfrentarem a realidade em que vivem.

Com grande entusiasmo, o público recebeu Sweet Karolynne (PB, 2009) de Ana Bárbara Ramos. O documentário apresenta, com uma abordagem bastante dinâmica e interessante, a jovem Karolynne, uma criança que esbanja maturidade e frases de efeitos, incomuns para a sua idade. O universo curioso ao qual Karolynne pertence, povoado pelo galo Jarbas e pelo pai que faz cover de Elvis Presley, é desenvolvido em segundo plano. É interessante observar como a precocidade e a ingenuidade de uma criança podem ser tão encantadoras quando apresentadas juntas. Karolynne é um exemplo de criança que tem muito a ensinar aos mais velhos.

Matryoshka (CE, 2009) filme de Salomão Santana, presente pela segunda vez na Janela de Cinema (seu polêmico filme Jarro de peixe inquietou o público ano passado), trabalhou o sentir-se estrangeiro em seu próprio país, o não ter identidade com a sua terra, com a sua origem. O cineasta tentou construir, através da sua personagem, a idéia do "existir na frente da câmara" e da coletividade, da criação de um vínculo entre o filme e o público (desejo explicitado pelo próprio Salomão em debate após a sessão). Os espectadores não deram sinal e não há como se afirmar se tal expectativa foi alcançada. Talvez, o clima de solidão e de busca por uma identidade, tenha captado alguns da platéia, ao mesmo tempo em que, foi indiferente para outros.

A noite foi encerrada com o filme mais belo e simpático da programação, O teu sorriso (Rio de Janeiro, 2009) de Pedro Freire, contou com um elenco de destaque (Paulo José e Juliana Carneiro da Cunha). O estranhamento de se deparar com um casal que começou a namorar, ele com 72 anos e ela com 60, é logo substituído pelo interesse e pela curiosidade em compreender e observar a construção daquele romance. Em doze minutos, a platéia tem a sensação de conhecê-los. Entre risos e declarações eles dão dicas de como eram no passado e de como pretendem construir um futuro juntos. O encantamento do público é nítido, durante o filme, pelo contato com um amor tão real e palpável.

Eu me Lembro















(Foto:Olhos de Ressaca)

ENTRE RECORDAÇÕES E SURTOS
Por João Roberto Cintra

Primeiro dia de mostra competitiva, de álbuns de família a história de boêmios são mostrados no primeiro bloco brasileiro. Em Olhos de Ressaca, um casal fala sobre momentos, seus filhos, a passagem de tempo, etc. através da colagem de imagens antigas e de época, como em um álbum de família que é folheado. Apesar da identificação inicial com as histórias, que poderiam ser de qualquer pessoa, fica enfadonho ver 'todas' as fotos de quem não se conhece, e o lirismo inicial se perde um pouco pelo tempo excessivo do filme. Já o álbum de família de 9800175056 é estranhamente desfeito: imagens antigas de família são decompostas na tela, o que gera desconforto no expectador, principalmente depois de ter visto o romantismo do filme anterior. Os efeitos sonoros disformes, abafados, dão o tom que vai desde a destruição até a lembrança de um útero materno, em que tudo se refaz e se desmonta - até que a imagem de um bebê se materializa, o próprio diretor, cujo título do filme remonta a sua carteira de identidade.

Três tabelas é centrado em depoimentos de três personagens que falam da sua relação com seus bairros, todos jogadores de sinuca, celeiro de contadores de história e boêmios. Com tantos personagens em foco, o filme se perde pelo tempo curto, e que no final não diz a que vieram.

Dois surtos acontecem em As sombras e A montanha mágica. No primeiro, o estado mental de uma paciente em crise, assistida pelo marido e por uma psiquiatra, determina sua relação com a sua consciência, percepção do mundo (como o devaneio pela floresta) e suas lembranças, que esvaem pelo uso do medicamento. É instigante pensar numa história com recordações que a contragosto se perdem, ainda mais em um bloco cujo tema está em evidência. Isolado talvez não funcione tão bem. Parques de diversão, comuns no interior do Nordeste, eram o tema de A montanha mágica.

Entretanto, o foco é deslocado para as memórias do próprio diretor sobre um fato de infância na roda gigante (a tal montanha mágica): não se sabe se o que lembra aconteceu realmente ou foi fruto de sua imaginação, ou de histórias de terceiros. O surto agora é do diretor/personagem ao ponto do espectador pensar se ele não esperou voltar à razão para terminar o filme. Isso explicaria a última metade, uma confusão que termina com a Nona Sinfonia de Beethoven.

O último filme, Minami em close-up – A Boca em revista, traça um criativo e bem humorado perfil da revista 'Close up', fundada por Minami Keizi, que retratava o cinema marginalizado produzido na Boca do Lixo, em São Paulo. O filme traz depoimentos do autor e de produtores, atrizes, etc. que faziam o cinema com foco em cenas de sexo light (mais conhecidas como 'pornochanchadas'), abominado pela crítica, mas com público cativo e fiel. O documentário ganha ritmo com a inserção de trechos dos filmes da época, que traduz a empolgação com que falam seus realizadores, sem nostalgia piegas. Bom recurso, mas que desvia um pouco do tema central, a revista. Mas, apesar disso, não compromete a empatia com o público no final.

Eu Me Lembro















O PODER DA MEMÓRIA

Por Gabriela Alcântara

Diante do nome desse programa, o público do Janela parece saber o que esperar. Parece. Porém, durante a sessão, é notável o peso da memória na vida dos espectadores. O ar fica com outro clima, e um gosto de saudade habita a boca.

A saudade acerta os cinéfilos em cheio nos dois primeiros curtas, Olhos de Ressaca e A Montanha mágica (foto). O primeiro conta a história de Vera e Gabriel, com todos os seus nuances. Na tela, os dois divagam sobre coisas como o início do romance, o nascimento dos filhos, o envelhecer. O filme tem uma narrativa leve, exalando ternura, como se o amor do casal transbordasse, tomando conta da sala. Gabriel começa a contar a história com um pedaço do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, onde Bentinho fala sobre os olhos de ressaca de Capitu. A técnica de inserir narrativas literárias é repetida ao longo do curta, dando a ele um tom de romance diferente, encontrado principalmente nos livros antigos. A trilha sonora, que conta com "Valsa para Lua", de Vitor Araujo, ajuda a transportar e conectar o público, fazendo com que ele sinta vontade de encontrar também um par de “Olhos de ressaca”.

Já em A Montanha mágica, esse sentimento ganha um tom diferente. O espectador sente falta de sua infância, dos parquinhos viajantes, dos passeios em família. Uma sensação de calma paira sobre a sessão, como se por um instante todos estivessem dentro do filme, brincando no parquinho, na roda gigante, que é a montanha mágica do diretor. Quando ele volta para o parque, é como se o público voltasse também, e apesar do silêncio dos brinquedos desligados, era como se tudo estivesse mais vivo do que nunca, como se todos tivessem seis anos novamente.

Do passado ao presente. De onde viemos? Em que se baseia a nossa formação? Essas são as perguntas feitas e respondidas por Felipe Barros, em seu curta 98001075056. Tratando de forma belíssima o tema, Felipe optou por um filme sem diálogos, onde as fotos de sua família, e dele quando criança, vão se desmanchando, virando pequenas partículas que, no final, se unem para mostrar uma foto do homem de hoje, com uma identidade ainda em formação. O título do filme, que pode parecer estranho e aparentemente sem motivo, logo se explica, é o número do RG de Felipe, escolha inteligente para dar nome ao curta que trata da busca que todos fazem: o "quem sou eu".

O programa contou ainda com Três tabelas, que utiliza a técnica de stop motion em alguns momentos, contando a história de três personagens que, entre uma cervejinha e um jogo de sinuca, falam de seus bairros, das mudanças que ocorreram, do carinho que sentem pelo lugar onde moram.

Em As Sombras”, cinema dedicatória para o diretor Walter Hugo Khouri, em especial para o seu filme ‘A Deusas’, o público conhece a relação entre uma mulher que passa por uma crise psicótica, seu marido e sua psiquiatra. A angústia e a solidão tomam conta da sessão, o medo do desconhecido. Um dos diálogos do filme permanece no ar, com uma pergunta que aparentemente não pode ser respondida, quando a psiquiatra diz que está tudo na cabeça de sua paciente, e Ângela então retruca: “E o que não está?”

Fechando a sessão, o curta Minami em Close-Up - A Boca em revista homenageia a revista 'Cinema em Close-up', de Minami Keizi, que era um sucesso nos anos 70. A revista é um dos poucos casos em que um veículo é especializado em apenas um movimento cinematográfico, o cinema da Boca do Lixo e seus personagens. Resgatando de forma engraçada uma parte esquecida do cinema paulista, o filme traz a reflexão acerca da preservação de nossa memória cinematográfica, principalmente quando se trata do cinema tido como "marginal", que precisa de cuidados, antes que tudo se perca, ficando apenas na memória daqueles que o viveram.

Amor, Perdas e Danos












Por Doralice Amorim

O primeiro programa escolhido para iniciar a Mostra Competitiva Internacional de curtas metragens, na Janela, possuiu uma unidade distinta. Todos os filmes apresentados eram bastante diferentes, mas conseguiram retratar, ao seu modo, as mais diversas relações amorosas e os seus mais distintos desfechos. A escolha desses curtas foi bastante feliz e abrangeu de forma eficaz a proposta do programa.

Noche Adentro - foto (Paraguai, Argentina, 2009) do paraguaio, Pablo Lamar, presente na sessão, foi, sem dúvida, o filme mais questionado da noite e que despertou uma maior inquietação na platéia. O cineasta, ganhador da Mostra Competitiva Internacional no ano passado, contou uma história de amor peculiar, marcada pela violência e pela morte. O controverso "plano da vagina" desperta certa inquietação, ao mesmo tempo em que, suscita uma série de reflexões e questionamentos, nesse momento, o público, apresentado antes a uma festa de casamento, é convidado a refletir sobre o que poderia ter acontecido com aquele casal. Lamar insistiu, no debate realizado após a sessão, no desejo de construir um filme que "acontecesse na sala", que criasse uma relação com o espectador e sugerisse uma série de perguntas e discussões. A proposta de Noche Adentro não aceita um público cômodo, que se contenta somente com as idéias expostas no filme, assim Lamar tentou despertar o interesse em ir além, em buscar respostas. É interessante observar também até que ponto os espectadores conseguem envolver-se com determinados filmes. A proposta do diretor em tentar aguçar essa relação entre platéia e filme é bastante curiosa e foi relativamente bem aceita pelo público da Janela.

Já o filme Sonhos da Floresta (Suécia, 2009), uma animação sueca, tratou de forma mais suave e simples o amor e a perda. Na produção são apresentados a moça, o pássaro e a morte, personagens que têm os seus caminhos cruzados em um cenário bastante sombrio. Outra animação da noite, Cão Tarado (Estados Unidos, 2009), de Bill Plympton, faz parte da conhecida série canina, indicada ao Oscar. O filme retrata, de uma forma bastante agradável, a tentativa de um cão em conquistar o amor de sua vida. Plympton é famoso pelos seus filmes e por conseguir, através do humor, desenvolver histórias interessantes e que geralmente agradam o público.

Por favor fale alguma coisa (Alemanha/Irlanda, 2009), também uma animação foi outro ponto interessante da noite. Os conflitos amorosos são amplamente trabalhados no filme, a partir da relação entre uma gata e um rato, e a mistura de humor e drama intensifica o caráter humano da animação. Entre brigas e reconciliações, o casal, inconcebível junto pela diferença de espécies, vive o cotidiano de qualquer casal, um dos motivos, talvez, por ter agradado o público.

Afronta (Alemanha, 2009) retrata um amor abusivo, onde a personagem Helena se vê presa em um relacionamento, marcado pela dependência e faz de tudo para tentar mudar o seu destino. O seu diário onde escreve lembranças inventadas é o seu elo com os momentos que queria ter vivido. O preto e o branco do filme, assim como as músicas e os planos, que parecem confrontar a personagem, ajudam na construção uma história de irrealizações, frustrações e tentativas de buscar a felicidade.

Último filme da noite, Cabaré Kadne (Espanha, 2008), fecha o ciclo com um ar de perda e romantismo. Como nas outras produções, a contemplação do amor foi apresentada juntamente com a idéia de separação. Através das histórias de amor, de morte e dos conflitos apresentados no programa, todos os personagens criam uma espécie de vínculo, dividido, muitas vezes, com a platéia.

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo



Por Doralice Amorim

Viajo porque preciso, (não) volto porque (ainda) te amo.

Um filme de amor e de estrada. Foram essas as palavras do diretor Marcelo Gomes, na noite de ontem (16-10-09), durante a abertura do Festival Janela Internacional de Cinema, sobre o seu novo filme, dirigido em parceria com Karim Ainouz, Viajo porque preciso, volto porque te amo. A obra é constituída de imagens e registros adquiridos, nos últimos dez anos, em estradas e colações no interior do nordeste e, finalmente, teve sua estréia em agosto de 2009, no Festival Internacional de Cinema de Veneza.

Gomes e Ainouz conseguiram transpor para o seu filme a atmosfera do sertão a partir de imagens, que muitas vezes parecem ter sido feitas pelo próprio José Renato (personagem principal interpretado por Irandhir Santos), que vai narrando, como se estivesse dirigindo-se para alguém (talvez para o próprio público), as suas sensações e sentimentos, ao longo da dura viagem que realiza por paisagens estagnadas no tempo. O sertão é trabalhado não como local de denúncia, mas como um ambiente próprio para a reflexão.

O geólogo, José Renato iniciou a sua viagem, primeiramente, porque precisava realizar um projeto a trabalho e deixou, em casa, a sua "Galega". Ao longo da travessia, ele se depara com um ambiente árido, sem cores e, muitas vezes, imóvel. A câmara parada em algumas cenas intensifica a sensação de imutabilidade daquela paisagem e aguça o sentimento de solidão e de desespero do personagem para acabar logo a viagem e ver a sua mulher amada.

É curioso analisar, como ao longo do filme, José Renato faz reflexões que se encaixam perfeitamente com a paisagem retratada naquele momento. E como as pessoas que ele encontra na beira da estrada ou em pequenas cidades têm, de diferentes formas, relações com a sua própria história. A solidão acaba sendo um elo entre o personagem, a paisagem e os habitantes daqueles lugares. Os espectadores também são atingidos por esse vinculo, seja por terem vivido momentos como os daquelas pessoas ou por terem as mesmas aspirações. "Quero uma vida de lazer", disse uma das mulheres que aparecem no filme. Não há como ficar indiferente àquelas imagens e histórias.

A viagem fica mais longa que o esperado e, aos poucos, o próprio personagem cria uma espécie de identidade com o ambiente, sua própria história se mistura, com o sertão. O público não sabe, na verdade, se ele não volta porque não tem pra onde ou pra quem voltar. Ou quais foram os seus reais motivos para viajar. José Renato acaba por acompanhar as mudanças da paisagem ao incorporá-las em sua própria transformação, ou melhor, superação. Viajo porque preciso, volto porque te amo é um filme belíssimo e vem ganhando o destaque que merece por onde passa (Gomes e Ainouz ganharam o prêmio de melhor direção no Festival do Rio de 2009).

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo

Por João Roberto Cintra

Não fosse pela música (e pelo título) brega, quem assiste Viajo porque preciso, volto porque te amo pensaria que está diante de um estilizado documentário. Narrativa objetiva, paisagens secas, assim como seco se mostra o protagonista, de que se conhece somente a voz. José Renato faz uma viagem a trabalho: geólogo, faz um estudo da região, tendo em vista a transposição do Rio São Francisco. Como em uma caderneta de notas, as imagens que se vê e as observações são coladas numa lógica profissional. O tom muda, entretanto, quando o narrador percebe sua vida além do trabalho, e a caderneta começa a ganhar rabiscos pessoais.

O filme torna-se, então, um diário aberto da viagem da transposição dele mesmo, e, como acontece em toda viagem física, essa também se torna interna. O amor pela (ex?) mulher o consome a ponto de desviar seu objetivo em nome do lamento e da saudade. As imagens agora buscam um foco em impressões pessoais ou histórias de pessoas que encontra – e tenta encontrar sentido para o seu sentimento ou para ele mesmo.

O filme, realizado a partir de imagens colhidas ao longo de dez anos pelos cineastas Marcelo Gomes e Karin Aïnouz , é resultado da viagem deles próprios, pelas paisagens nordestinas. Os dois são cineastas cuja obra se caracteriza por um cinema sincero e sem concessões a grandes firulas comerciais. O curioso de saber que esse filme começou há mais de dez anos é perceber duas coisas. A primeira, o olhar apurado e o talento, desde antes de terem quaisquer ou poucos recursos como realizadores.

Segundo, seu cinema "sincero e sem concessões" não pode ser reconhecido aqui: essas características na verdade nasceram a partir dele, e foram desenvolvidas nas obras que já conhecemos. Ou seja: a viagem foi deles também, em um filme orgânico, que precisava ser finalizado.

Mesmo assim, fazê-lo agora denota uma certa maturidade, uma vez que o filme, construído por cortes e colagens de fotos, imagens em vídeo, outros formatos, poderia em outras mãos facilmente se perder, quando funciona de forma bastante coerente, principalmente pelo recurso do fio que conduz tudo e dá alma ao filme, o narrador – excelente trabalho de Irandhir Santos – e a trilha sonora que ajuda a enxergar o protagonista sem rosto.

É interessante a empatia criada por um alguém de quem se conhece apenas a voz. Conhece-se seu passado, seu presente, sua alma. Da mesma forma que a vida é descoberta no árido nordeste, com solo sem vida, mas com pessoas cantando músicas românticas ou sonhando para si uma "vida lazer". Nesse ponto, até se entende melhor o título, que se torna mais poético, e romântico. José Renato vai pela estrada em busca de uma vida, que corre como um rio. E esperando a coragem de pular.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O eterno exercício da crítica cinematográfica

Pelo segundo ano, o Janela Internacional de Cinema do Recife oferece aos interessados pela crítica de cinema, academicamente ou não, uma oportunidade preciosa de exercitar um ofício, não raro, mal compreendido ou, cada vez mais, confundido com a prática do ‘achismo’ ou da simples opinião infundada e balizada prioritariamente por impressões pessoais.

Não que possamos fazer um texto absolutamente impessoal, mas com as facilidades de exposição na internet – nem mais tão recente assim – os textos valorativos sobre cinema proliferaram numa quantidade numérica inversamente proporcional ao que oferecem de boa qualidade. Muitos deixando de lado preceitos próprios que poderiam melhor servir aos leitores de críticas de cinema.

Qualquer trabalho superficial é danoso ou, sendo menos radical, é improdutivo. Não é diferente com a crítica cinematográfica. A questão é que, como em qualquer outra função, ela, a critica, ganha mais robustez com o exercício. E é exatamente essa disponibilidade que o Janela traz aos jovens críticos, que experimentarão o Janela Crítica.

Por meio de encontros, discussões prévias e conferência de dezenas de longas e curtas-metragens nacionais e internacionais, os sete selecionados que formam júri jovem do festival vivenciarão não apenas a experiência por vezes fisicamente desgastante de acompanhar um festival, mas também o prazer em desenvolver a sensibilidade de seu raciocínio a partir da linguagem cinematográfica, e transformá-lo num discurso com função social.

Interessante observar que na conferência dos textos para a seleção dos escolhidos, identificamos escritas extremamente claras, bem desenvolvidas por referências cinematográficas, mas espiritualmente pobres. Ao mesmo tempo, vimos textos mal desenvolvidos, mas dotados de um aguçada compreensão mais universal do potencial humano que um filme pode sugerir.

Não há fórmula para se chegar ao melhor texto crítico cinematográfico, e o Janela Crítica sabe disso. Mas sabe também que o esforço sempre deve existir, e persistir, para chegar próximo desse ‘melhor texto’, tendo sempre no seu horizonte que o crítico é apenas um intermediário entre a obra e o público. E que esse trabalho deve ser feito da maneira mais generosa e justa que esteve ao alcance de seu autor. Ao exercício, então.

LUIZ JOAQUIM

Janela Crítica - 2a edição

Com o objetivo de incentivar o pensamento crítico sobre cinema em Pernambuco, a Janela Internacional de Cinema do Recife investe numa equipe de sete jovens universitários e amantes da sétima arte que se tornam críticos através da oficina Janela Crítica, sob a orientação do jornalista e crítico de cinema Luiz Joaquim (www.cinemaescrito.com.br).

Entre os 33 candidatos inscritos, foram selecionados sete jovens que terão a missão de produzir críticas sobre os filmes exibidos durante o festival e ainda formar o Júri Janela Crítica, que elege os melhores nas categorias de curtas nacionais e internacionais:

Gabriela Alcântara Siqueira - Jornalismo - Unicap
George André Silva Carvalho - Jornalismo – UFPE
Gianni Paula dos Anjos Melo - Jornalismo – UFPE
João Felipe Bento Gonçalves - Ciências Políticas / Relações Internacionais – UFPE
João Roberto Cintra - Letras - UFPE
Maria Doralice Lira Amorim - Jornalismo – UFPE
Marília Amorim de Melo - Filosofia – UFPE