Lorena Tabosa
Memórias, suas e minhas
Se fosse para encarar ao pé da letra o título do programa Brasileiros 3, Salvar Arquivo Vol.3, já seria plausível adotar o pensamento de que se trata de curtas-metragens, de certo modo, documentais. E são. Mas são também mais que isso. São personificações impressas na tela de algumas de nossas próprias memórias, expressas através de memórias alheias.
Em Roberto Cabeção, de Salomão Santana, uma viagem às intimidades de uma família que poderia ser a sua. A impressão que dá é que todos aqueles dias de gravações em fita cassete voltaram como um flashback, tanto para quem era criança no início dos anos 1990 (época que se passa o filme), quanto para quem empunhava a câmera e eternizava a infância dos filhos, sobrinhos, irmãos. A proximidade que se cria com as imagens caseiras é inevitável e a saudade, dos tempos que não voltam mais, se torna latente.
A sensação de identificação acontece também com os primogênitos, escondidos no meio de qualquer plateia, em O Pai Daquele Menino, de Raul Arthuso. Um adolescente, depois de fazer mil conjecturas sobre um suposto caso amoroso da mãe, recebe a notícia de que vai ganhar um irmão e acaba naquela já sabida confusão sentimental: fico feliz ou não? É um retrato, mesmo que menos incisivo do que poderia ser, das relações entre pais, filhos e o elo familiar de modo geral.
E como lidar com o depoimento de alguém cujo companheirismo é um misto de belo e inquietante? Essa é uma questão que permanece suspensa após a experiência de adentrar a vida do casal colecionador de fósseis de Ovos de Dinossauro na Sala de Estar, de Rafael Urban, também diretor de Bolpebra, exibido neste Janela. A viúva, que fez cursos de Photoshop para manter acesos os sonhos e coleções do marido, dá uma aula de como pode ser o “até depois de a morte nos separar”. Apesar de um tanto monocórdia, a obra acaba por nos infectar com o amor sem barreiras de que tanto ouvimos falar, mas duvidamos que existisse.
Já em Calma Monga, Calma, de Petrônio de Lorenna, não são as lembranças de uma família, de sua família ou de um casal de desconhecidos que “fazem a cabeça” do espectador, mas sim o imaginário popular, indiscutivelmente a maior das memórias. Tradicional em Pernambuco, a história da Monga, a mulher-gorila, atravessa gerações e deixa pairar no ar a sua veracidade, trazendo de volta a relação do humano com o mítico, que resulta em desproteção e desamparo. É nesse limiar de ficção e realidade que o filme brinca também com outros símbolos populares, como os programas policiais e os cines pornô, divertindo seus olhos. E nisso de ser representação do medo e do desejo, a Monga está solta e todo cuidado é pouco.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
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Hey, Lorena.
ResponderExcluiroutra vez, filmes de fora. do raimundo dos queijos não tenho interesse algum, mas gostaria de ouvir tua opinião sobre la lira de maurilia.
não sei ainda se a proximidade com a práxis da "família se filmando" é algo bom, de indentificação, ou algo desinteressante, com chaves de leitura perdidas.
gostei muito do ovo de dinossauro na de estar. a quadra do soneto final, recitado pela senhora é uma síntese muito forte e bonita do amor e das nossas angústias e vontades de permanecer por aqui, entre os nossos.
achei o pai daquele menino bem água com áçúcar. poderia ter passado no intervalo da novela das 20h, rs.
só uma questão técnica: cê fala em fita cassete, mas fita cassete é pra gravação de áudio. para vídeo eram as gigantes VHS.
umbeijo.
Da primeira vez que vi Ovos de Dinossauro na Sala de Estar eu anotei a última frase do filme... Mas percebi que perdi isso. Vocês lembram?
ResponderExcluirAcho o curta genial. As cores sóbrias, o sotaque da protagonista, a casa, os ovos, as relíquias se contrastam com nosso apego ao moderno, a restauração do velho. Certas coisas, como o amor incondicional, são insuperáveis e nao precisam de renovação.
é verdade, juva, confundi as bolas! vou justificar dizendo que é a correria, pra não passar por desmemoriada ou, pior, cabeça oca...rsrs
ResponderExcluiros filmes que ficaram de fora, infelizmente, não consegui ver. por motivos de força maior, cheguei um pouco atrasada na sessão.
sobre os Ovos, entendo o fascínio de vocês. o filme é mesmo tocante, mas por ser uma temática recorrente (inclusive em outras obras exibidas neste Janela), sempre tenho minhas ressalvas sobre a abordagem.