quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CINEMA REMIXADO - INTERNACIONAL 4

Liana Cirne Lins

Experimentalismo, pesquisa e conceitualidade

O programa Cinema Remixado escolheu cinco curta-metragens que tem em comum a reapropriação de cenas, imagens ou falas de outros filmes. Também deve ser destacada a irrelevância do conteúdo das falas no produto final, o que é acentuado pela opção dos diretores de três deles – Stardust, The Voice of God e Joule – de não utilizar legendas para sua tradução.

Do programa, destaca-se Conferência (Conference, de Norbert Pfaffenbichler, Austria, 2011), que é uma montagem de cenas com diversos atores interpretando Hitler em distintas situações (sério, preocupado, discursando, afeminado, sorrindo), cujos discursos e diálogos são substituídos por ruídos e distorções que se harmonizam com a intensidade e o tom provavelmente usados pela voz do ator, confirmando que uma imagem a que se confere um forte significado prescinde de justificações para formar um sentido para o espectador.

Exceção feita à Conferência, os demais mostram-se como experimentações fílmicas que rompem com a narrativa cinematográfica tradicional, mas que ao mesmo tempo não apresentam nada de novo, já que a montagem de cenas ou falas de filmes existentes para criar um filme feito a partir de outros filmes já foi realizada diversas outras vezes, inclusive com muito maior sucesso e foi inclusive ludicamente referida em Rebobine Por Favor (Be Kind Rewind, Michel Gondry, 2007).

I’m Not The Enemy (Alemanha, 2010, Bjørn Melhus) alterna quatro personagens, todos vividos pelo diretor, que representam a família de um veterano de guerra, cujas falas que se repetem são retiradas de filmes sobre o Vietnam e realocadas para um cenário do subúrbio da Alemanha. A alternância da trilha sonora que vaga entre o jocoso e o tenso é um dos pontos altos do filme que se propõe a questionar as dificuldades da reinserção de um veterano de guerra (que pode ser a representação de todas as nações que tomaram parte nela), mas que não necessariamente alcança a finalidade a que se propôs.

Stardust (Bélgica, 2010, Nicolas Provost), assim como I’m Not The Enemy, brinca com o realocamento de falas. Aqui são reaproveitados filmes policiais que comporão o ambiente de Las Vegas, em que pacatas famílias de turistas são incorporadas a situações de tensão advindas daqueles filmes. A proposta inicialmente divertida converte-se em maçante em sua execução, o que é agravado pela completa ausência de legendas para um filme que seria carregado justamente pela transposição dos diálogos. É como se fôssemos forçados a assistir a brincadeira sem que pudéssemos brincar. Mas dessa vez o mimado dono do jogo tem uma câmera ao invés de uma bola.

The Voice of God (India, 2011, Bernd Lützeler) é uma mixagem de imagens da India feita a partir de documentários e outros filmes. O locutor indiano narra algo incompreensível e o tom de voz do narrador é a aspirada voz de Deus. A disparidade entre a pretensão artística do filme e o seu resultado é gritante, especialmente porque a voz do locutor não tem nada de especial em relação a qualquer outro locutor de programa de rádio religioso ou mesmo programa de auto-ajuda romântica para solitários nas madrugadas.

Finalmente, o programa encerra com Joule (Itália, 2010, David Zamagni e Nadia Ranocchi), um pot-pourri de cenas onde são dispersos energia e trabalho de que o joule é uma medida. Durante 22 minutos, somos arrastados por cenas em que borboletas batem asas, uma chave é derretida, crianças dançam, um casal de homens dança, uma stripper dança, um homem desprende enorme esforço físico (para erguer pesos de 10 kg), uma mulher entrevista um homem (ou o oposto, não é possível saber já que mais uma vez não foram utilizadas legendas em português, embora haja legendas em inglês...). O filme encerra com o mesmo homem se exercitando, agora de costas, mostrando a bunda para o espectador. Muito simbólico.

Ao final do programa, fica-se com a impressão de que a inovação almejada não decorre do intento de romper com o tradicional, mas simplesmente da incapacidade de realizar o tradicional, de dedicar à obra a pesquisa, o trabalho conceitual e técnico que ela mereceria para oferecer ao espectador uma experiência cinematográfica verdadeiramente inovadora.

2 comentários:

  1. Concordo inteiramente com a sua crítica. Saí da sessão antes do final, por que, simplesmente, não consegui encontrar nos filmes nada de significativo. Você coloca muito bem: talvez se trate de incapacidade de realizar o tradicional ou, pior, de falta de esforço para pensar e realizar algo novo. Parabéns pelo texto. Ana Paula Portella

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  2. Obrigada, Ana Paula. O que mais me incomodou nesse programa foi sua incapacidade de até mesmo causar incômodo. O único desconforto foi o tédio diante da tela... Desculpe a demora em responder, não tinha lido ainda teu comentário.

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