A câmera tem memória
André Valença
A sala do cinema São Luiz recebeu seu primeiro bloco de curtas competitivos pelo Janela Crítica ontem e a seleção, inteiramente brasileira, teve alguns bons frutos. O maior entusiasmo, sem dúvidas, foi arrancado por Aeroporto (2010), de Marcelo Pedroso. O curta-metragem do pernambucano segue uma linha parecida à do seu longa, Pacific (2009), realizado a partir de imagens amadoras gravadas em máquinas digitais e produzidas durante um cruzeiro por várias pessoas.
Em Aeroporto, Pedroso brinca novamente com os efeitos dessa "democracia digital", só que, desta vez, exibindo uma série de fotos feitas em viagens sob a narração dos viajantes, revelando percepções de mundo diferentes. A maioria dos seres humanos, confinados ao prosaico, agora tem nas mãos meios mais que diversos de se documentar. A questão, contudo, não parece ser tanto sobre o narcisismo que esse tipo de atitude pode gerar, mas sobre "ser algo" no mundo, seja através de fotos, vídeos ou de contar uma história e esperar, sem muita certeza, que ela seja perpetuada.
Outra surpresa da noite foi o mineiro Fantasmas (2009), de André Novais. Uma câmera filma uma rua enquanto dois amigos conversam ao fundo. Um deles tem uma fixação pela ex-namorada e espera que ela passe pela rua. O fantasma da ex o assombra, a ele e ao colega, que também são dois fantasmas, invisíveis aos olhos do espectador, mas que observam e comentam o mundo, mesmo que ele se restrinja a uma rua.
Supermemórias (2010) também causou certa sensação. O diretor cearense, Danilo Carvalho, juntou filmagens caseiras de várias famílias de Fortaleza em Super8 (daí, o título), algo muito parecido com o que Pedroso anda fazendo. Porém, o recurso de usar imagens em Super8 como lembrança de uma época é um conceito já um pouco desgastado, o que Supermemórias fez foi isolar essa constante e pô-la sobre uma trilha sonora instigante, talvez trazendo uma carga maior de afeto.
O que mais destoou dessas experimentações foi um documentário feito da forma mais tradicional possível. Janela Molhada (2010), de Marcos Enrique Lopes, que fala sobre os primeiros filmes produzidos no Recife, não inova esteticamente, nem tematicamente, mas tem sucesso ao autorreferenciar o cinema e trazer belas imagens de arquivo. Porém, algo que causa enorme estranhamento é a música Desequilíbrio, de Eddie, na trilha sonora. Simplesmente, não encaixa.
domingo, 14 de novembro de 2010
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Muito interessante o teu ponto de vista sobre Aeroporto e Fantasmas, os curtas que mais gostei do programa. E concordo com o que disse do Supermemórias e Janela Molhada. Márcio.
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