quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Brasil 4 - Fazendo Contato





Yuri Assis

Fazendo Contato, quarto bloco brasileiro de curtas do Janela, exibido na quarta-feira(17), abordou a relação com o outro, que nem sempre é descomplicada. A descoberta da alteridade às vezes revolve assuntos que foram empurrados pro fundo da gaveta. No fim das contas, a interação com o alheio parece remeter a nós mesmos.

O curta-documentário Canoa Quebrada (Guile Martins, 2009), por exemplo. O diretor põe na tela, sem dramas, o momento em que conhece o pai. Protagonista de seu próprio enredo, Guile consegue a façanha de expor um olhar cru sobre seu passado. Como alguém que se acostumou à falta de um braço, a busca pela figura paterna é mais curiosidade que carência. O cineasta achou os contatos do pai na rede virtual; fruto do acaso, seu guia é a sorte.

Náufragos (foto)(Gabriela Amaral e Matheus Rocha, 2010) segue com essa tendência, mas em outra direção. Recheado de metáforas, o enredo mostra Odete, senhora idosa, que se dá conta da viuvez quando o marido, ao procurar certo objeto embaixo da cama, desaparece. Ruídos estranhos indicam que ali ocorre algo, e, ao final, o burburinho traz à tona lembranças empoeiradas. É como se o esposo tivesse passado para esse terreno fantasmagórico de ressentimentos. Longe, entretanto, de imprimir um ar pesado ao tema, o curta baiano toca no assunto da morte com certo humor. Odete aceita a condição que acomete a todos, sumindo para debaixo do leito.

A relação entre mortos e vivos também entra em cena em As Corujas (Fred Benevides, 2009). Adaptação do conto homônimo do cearense Moreira Campos, o espectador é levado a um velho necrotério. Lá, um vigia espanta as corujas que bicam e arrancam os olhos dos defuntos, como se ainda precisassem ver. Guardando as necessidades alheias, o personagem nutre uma ligação afetiva de mão única.

A esse tipo de contato, marcado pela dependência, Carreto (Marília Hughes e Cláudio Marques, 2009) acrescenta a circunstância da troca. Duas crianças se unem para superar os impasses que não lhes permitem viver plenamente a infância. O menino tem obrigações com a realidade; a menina, paraplégica, está confinada ao mundo de suas fantasias. Na tentativa de resolver a situação de sua amiga, converte em brinquedo o carrinho-de-mão com que trabalha.

O Mundo é Belo (Luiz Pretti, 2010) encerra o programa retomando a velha temática do entendimento. O diretor tenta falar de suas contemplações, confiante da compreensão de seu interlocutor. Aí, pinta uma dúvida, certamente partilhada por muitos espectadores, e que perpassa as nuances do Fazendo Contato: a gente sempre tem mesmo que se traduzir?

5 comentários:

  1. Yuri, seu texto está excelente e me leva realmente para este questionamento: "a gente sempre tem mesmo que se traduzir?". Adorei sua análise de Canoa Quebrada, principalmente a frase "Como alguém que se acostumou à falta de um braço, a busca pela figura paterna é mais curiosidade que carência", que traduz bem a sensação que o diretor quer passar, ele não falseia um sofrimento pelo abandono do pai. Muito bom.

    ResponderExcluir
  2. Yuri, só um detalhe: o conto original que deu origem ao roteiro de "As Corujas" não é de autoria de Haroldo de Campos, não?

    ResponderExcluir
  3. é não, poliana. é moreira campos mesmo. olha o conto aqui: http://luzesdacidade.blogspot.com/2010/04/as-corujas-conto-de-moreira-campos.html

    ResponderExcluir
  4. Realmente, o diretor comentou no debate que havia se inspirado em Moreira de Campos.

    ResponderExcluir
  5. ops...erro meu Yuri =S Já conferi, foi mal mesmo, é que eu ouvi o diretor dizendo Haroldo de Campos... acho que eu fiquei meio aérea depois de ter assistido "O Mundo é Belo"...

    ResponderExcluir