quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Internacional 3 - Fazer Backup


Ingrid Melo
Oroboro

O filósofo Friedrich Nietzsche formulou certa vez uma teoria a que denominou "O Eterno Retorno". Em um dos seus aspectos, ela fala sobre os ciclos repetitivos da vida. E são exatamente esses ciclos que são abordados no Programa Internacional 3 - Fazer Backup, exibido ontem no Cinema da Fundação, como parte da III Janela Internacional de Cinema do Recife.

Para começar, uma das consequências mais marcantes da teoria do Eterno Retorno está presente no argentino "Cynthia ainda tem as chaves", de Gonzalo Tobal. Segundo Nietzche, estamos destinados a amar o inevitável, o amor e o desamor - o amor fati. E é isso que faz Cynthia, voltando todos os dias à casa do namorado após o fim do romance. Ela, que amou tanto estar naquela casa quando era cercada de afeto, ama ainda mais agora em que a frequenta sozinha. O filme é belo por essa necessidade desesperada de Cynthia de resgate ao amor impossível e por sua anulação em nome do desamor que restou naquele ambiente. A atriz Maria Villar ganha mais pontos por seu carisma do que por sua interpretação. Ela é daquelas atrizes que enfeitiçam a câmera e, consequentemente, o público.

Já aqueles que gostam dos irônicos nomes fictícios de filmes têm em "French Courvoisier" da francesa Valérie Mréjen uma boa pedida para a piada. Isso porque o filme é exatamante a volta de quem não foi. A história de sete amigos que se reúnem para lembrar um oitavo que havia se suicidado consegue ser densa e leve ao mesmo tempo. E isso acontece graças aos seu diálogos muito bem pensados, que mesclam assuntos cotidianos e filosóficos de maneira precisa. Destaque para o olhar de Valérie, que está sempre captando a expressão certa no momento exato. Pode-se perceber claramente a atmosfera de uma intimidade perdida, antes justificada pela presença do amigo morto; bem como o quanto esse amigo ainda é marcante nas vidas das personagens. Sem dúvidas, o destaque da noite.

O inglês "Tad's Nest"(foto), de Petra Freeman, por sua vez, é o regresso à infância. A diretora, quando criança, fantasiava um ninho de enguias mágicas perto de onde morava e busca, com o filme, fazer o resgate da lembrança infantil. Por isso, o curta tem ares de conto-de-fada, com direito até a mocinha em perigo. Entretanto, Freeman não conseguiu deixar de lado suas impressões de adulta e carregou de intensidade a história, o que acaba deixando o espectador incomodado. A menina que está sempre sendo perseguida dá margem para muitas metáforas para nossas mentes já fatigadas e a sensação de desconforto é insistente. Tudo muito bem realizado em animação de pintura sobre vidro.

Fechando a noite, foi exibido "Apenas para fins culturais", de Sarah Wood. O filme traz imagens da Atlântida palestina: seu acervo de filmes perdidos durante o Cerco a Beirute. É o retorno à história, à cultura e à arte da região, através de imagens e desenhos que as representam. Contudo, o resgate que Sarah pretende conseguir parece não se restringir à Palestina. Ela busca um resgate acerca da relevância do cinema para construção da identidade de um povo. E por isso chamei de Atlândida o acervo. Porque sendo um registro tão característico de uma população, o cinema não se pode perder sob as águas - ou bombas.

6 comentários:

  1. Comentários excelentes, Ingrid. Sua análise de French Courvoisier me fez lembrar "O Declínio do Império Americano", nessa estrutura verborrágica e equilibrada entre o macro e micro, entre o relevante e o banal. Muito bom.

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  2. E em Cynthia ainda tem as chaves achei que a atriz faz escolhas que deixam a desejar, mas o curta como um todo é ótimo. Até quase dá para ouvir "One", de Aimee Mann tocando ao final.

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  3. mas é um absurdo ela considerar "the smiths" uma banda de nome complicado, né? :)

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  4. e ingrid e mai são a mesma pessoa, pros desavisados. é meu problema de dupla personalidade.

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  5. Adorei a crítica também! Principalmente sobre os comentários de "Cynthia...". Foi muito além do meu texto, que tá bem "pff".

    André

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  6. lindeza isso, vou dormir feliz hoje: "resgate ao amor impossível, por sua anulação em nome do desamor"

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