quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Brasil 03 – Quanto Vale um Rosto


Márcio M. Andrade

Mensurar um valor específico para se pagar para usar ou simplesmente observar um corpo pode ser considerado tarefa ingrata, mas algo que certamente temos feito com mais freqüência do que imaginamos, como demonstra o Programa 03 desta Mostra Competitiva Nacional.

Iniciando com o curta Ensaio de Cinema (Allan Ribeiro, 2009), um cotidiano caseiro de dois homens toma fôlego e êxtase quando a criação cinematográfica toma conta daquele ambiente, onde um se permite ser "filmado" e outro vasculha a imagem do outro em um ensaio caloroso em imagens e sensações. Uma bela fotografia que torna estes dois personagens quase palpáveis diante da tela, assim como diálogos que privilegiam a naturalidade de um amor desmedido pelo cinema - com referências a mestres como Antonioni, Bertolucci e Loach.

Em contrapartida, encontra-se em Cynthia (foto) (Marcelo Toledo e Paolo Gregori, 2010) a sucessão dos dias de uma mulher obrigada a estipular um preço para seu próprio corpo, trabalhando como manicure e garota de programa a fim de estudar dança no Japão. Belos ângulos e interpretações naturalistas bem compostas fazem deste curta um retrato doloroso e dramático de um cotidiano que aprisiona e parece cegar aqueles que nele se estagnam, mesmo possuindo o desejo de ir embora. Ao final do curta, em uma cena singular, Cynthia, com seu corpo pintado de branco e usando peruca verde, realiza uma performance para o espectador, demonstrando toda a dor de ser considerada mercadoria barata, objeto sexual. O espectador, então, se surpreende chorando por uma mulher igual a tantas outras, mas que se decompõe diante dele, como um pedido de misericórdia.

Finalizando o programa, Permanências (Ricardo Alves Junior, 2010) propõe estabelecer relações de semelhança entre as paredes desgastadas de um prédio em Minas Gerais e os rostos degradados de seus habitantes, mas, com o desenvolver do curta, um novo elemento torna-se chave para este relacionamento: a câmera. Considerada intrusa naquele meio, ela parece constranger o olhar de seus objetos de afeto, por parecer "impiedosa" no seu registro de todos os detalhes que percebe. Enquanto os personagens ocultam seus olhares da análise – talvez fria, talvez emocionada – do espectador, este também se constrange de ter pago um ingresso por uma expressão cujo valor é impossível limitar ou definir.

Com estes três excelentes trabalhos, o programa Quanto Vale um Rosto encerra uma mostra que se equilibra entre o êxtase e a reflexão, que dilui emocionalmente seu espectador tão anestesiado pelo consumismo e culto corporal do dia-a-dia.

7 comentários:

  1. Discordo de muita coisa!
    Acho que foi a sessão mais arrogante do Janela até agora! Ensaio de Cinema é um exercício tremendo para o ego "intelectualóide" (escrito assim porque só se apresenta como intelectual, sem sê-lo) do diretor, que tenta, a todo custo e forçosamente, criar um filme contra-corrente. Acaba sendo constrangedor.
    Cynthia é um festival de clichés. A cena do patrão dela chorando rios, como se fosse uma novela das oito, dói no meu peito de vergonha alheia.
    Reclamei muito do Permanências, porque acho que deveria ter um corte (bem) menor, o filme é entediante. Divaguei muito durante ele, porque ele escolheu demorar DEMAIS nos planos. Admito agora que a concepção foi interessante, mas acho ainda que ele deveria ter posto no começo do filme que se tratava de um prédio em MG bem conhecido, antigo etc. Mesmo assim, achei uma tortura ter que assistir aquilo. Repetindo, se tivesse um corte menor, 15 minutos, não sei, eu talvez apreciasse.
    Pois bem...

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  2. Ah, Misael, me emociono com Cynthia transformando todas as frustrações em arte. Adoro o clima e a fotografia farsescos/melodramáticos (chefe chorando rios incluso) que vem vindo até aí, aumenta muito o impacto da cena final, que é uma coisa linda.

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  3. Que tipo de "submundo" é aquele de Cynthia? A impressão é que tudo é muito limpo, muito romantizado. Essa beleza falseada cansa demais. E, oh!, as aspirações de Cynthia, a prostituta que quer ser dançarina! Não inovou estética ou tematicamente. O filme não é só ruim, como dispensável. Desculpe-me se estou sendo rude, é só meu ponto de vista.

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  4. Meus planos eram fazer um post sobre esse programa, mas o tempo pirraça não deixa, então vamos por aqui mesmo.
    Mesmo quem acha Ensaio de cinema presunçoso, não pode deixar de reconhecer que ele foi muito bem realizado. As tomadas são lindas, a ideia é boa. Cada plano, um diretor diferente. Quem já viu aqueles filmes, reconhece as semelhanças, acha bonito. É tipo "Os Sonhadores" sem a genialidade de Bertolucci, mas com um toque brasileiro, que faz com que a gente se reconheça. Senti uma sensação agradável ao vê-lo e, para mim, isso já conta alguns pontos. Acho que você já olhou viciado pro filme, André, e isso prejudicou.
    Cynthia repete o clichê prostituta sonhadora, mas acho clichês uma coisa linda quando são bem utilizados, e esse foi. A atriz ajudou bastante também. Rosto expressivo, olhos marcantes. A cena do patrão chorando também acredito ser bem empregada e deveras comovente. A coisa das perucas que achei um tanto dispensável. O filme é algo Closer, algo Pulp Fiction.
    E, poxa, permanência é muito bonito! Tu que gosta de Antonioni deveria ter curtido essa coisa da "incomunicabilidade". Me lembrou um pouco Bergman também na temática da solidão. Achei bonito. Me tocou. Mas acho que concordo contigo quanto ao tempo.

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  5. Já revi a minha postura em face a Permanências. A grande variável negativa é o tempo mesmo.
    Quanto aos outros, minha opinião é irredutível! Já havia visto Ensaio de Cinema do CinePE - sem vícios - e o tinha deplorado. É mau atuado, presunçoso, não comove e, pelamordedeus, um casal homossexual-interracial-internacional de classe média-baixa que anda travestido na sua casa imaginando que estão gravando um filme é tentar ser cool demais, não acham não? A arrogância vai além das palavras dos personagens e se reflete na composição dos personagens. Não tenho nada contra "casais homossexuais-interraciais-internacionais de classe média-baixa que andam travestidos nas suas casas imaginando que estão gravando um filme", pelo contrário! Mas é presunção demais o cara querer colocar tudo o que é outsider no mundo num só filme, e ainda falar de cinema. Querer falar de tudo (e sem compaixão!) acaba fazendo o filme cair no vazio. Não gosto! Não gostei da primeira vez, não gostei agora.
    Quanto a Cynthia, sinceramente, o filme é um grande déjà vu. Não há nada nele que se destaque por inovação. Houve a oportunidade de construir uma tara sexual estranha que o cliente poderia ter, justificando mais ainda o desprezo dela pela própria profissão, não o fizeram. Foi uma cena dispensável, puramente constatativa, que, se não houvesse, inclusive, seria melhor.
    Tem tantas falhas na criação dos personagens que eu nem queria começar. Todo mundo é muito caricato, Cynthia é uma princesinha, toda bem tratado. Aquele local onde ela dança muito bem organizado. Cheio de bebida cara no fundo, só os coroas. Trabalhando num lugar daquele, era pra ela ser puta de luxo, não precisaria trabalhar na manicure que ela odeia. O patrão, ah vamos!, é uma caricatura ridícula.
    Os diálogos parece que foram concebidos em inglês e postos no Google Translator. Ridículo! Não há nenhum trabalho de dialogação. Fica claramente que as palavras são escritas (uma coisa que ainda perturba muito o cinema brasileiro, na minha opinião).
    Eu acho que vocês estão com os olhos um pouco viciados também. O festival traz filmes conceituais, sim. Muitos deles são sensacionais, como eu fiz questão de relatar nas minhas críticas, mas outros, não. Cynthia não tem significado profundo. Ensaio de Cinema superficializa o profundo, banalizando-o.
    Novamente, desculpem ser rude, é que eu não engulo eles não.

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  6. não seja tão severamente com isso, rapaz.

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  7. Ah, tá brincando com os erros do texto, né?
    Pois é, quando você se exalta, escreve tudo sem olhar pra trás. Mas sou 'severamente' mesmo. :)

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