Ingrid Melo
O futuro é uma máquina chamada cinema
O programa Brasil - 5 Imagens do Futuro, reprisado ontem no cinema da Fundaj, é mais uma prova de que os curtas nacionais estão em nível tão bom quanto os estrangeiros. Dessa vez, a sessão foi completa, ao contrário do que havia ocorrido na exibição do Cinema São Luiz, quando Viagem a Marte, de Antônio Castro, não pode ser exibido por problemas técnicos.
A programação teve início com Pacífico, de Jonathas Andrade, que aborda a Guerra do Pacífico, conflito travado por Bolívia, Chile e Peru no século 19. Entretanto, Andrade confere ênfase especial ao País dos Andes, sua história e geografia. Um terremoto – detalhe para a criatividade do diretor que cria as cenas das placas tectônicas se deformando com modelos de papel em stop-motion, estética que virou moda em nosso cinema, mas que continua impressionando – separa o Chile do resto do continente da América do Sul. Andrade pretende refletir acerca desse isolamento e lança um olhar sobre o próprio Brasil, tão distante da Latino-américa. A câmera em Super-8 confere textura especial ao curta e os depoimentos garantem veracidade. O espectador passa boa parte do filme em dúvida se a história retratada trata-se de ficção ou se é um fato.
Sensação que permanece quando se depara com Wim Wenders em De Volta ao Quarto 666, de Gustavo Spolidoro. No documentário, Spolidoro reacende a discussão acerca do futuro do cinema, proposta por Wenders há cerca de um quarto de século e, à medida que este fala, sobrepõe imagens dos cineastas que deram suas opiniões em 1982. Dessa vez em frente à câmera (digital), o diretor alemão expressa suas certezas e incertezas desse futuro e afirma que a única coisa precisa é que o cinema sobreviverá a todos nós. Vale-se ressaltar à homenagem não premeditada ao grande Michelangelo Antonioni, um dos poucos a vislumbrar o que é o cinema hoje. Um insight muito bom de Spolidoro e um gozo para qualquer amante do cinema que ele o tenha tido.
E se Spolidoro utiliza o passado para falar do futuro, Gabriel Mascaro vale-se do presente em As Aventuras de Paulo Bruskly. O diretor realiza um filme inteiro em machinima (técnica que combina cinema, animação e game), recriando o universo da plataforma de relacionamento virtual Second Life. No enrendo, o avatar do artista Paulo Bruskly encomenda para o cinegrafista homônimo ao diretor um filme em forma de documentário sobre sua experiência no simulador da vida real. No curta, o futuro é representado por uma espécie de ensaio sobre os limites da tecnologia. Há, ainda, espaço para reflexões acerca do cinema e, claro, sobre os usuários de redes sociais e as febres terçãs que elas causam. Uma produção primorosa que mistura ficção e realidade, real e virtual.
E, de fato, essa fluidez marcou boa parte do programa. Em Haruo Ohara - Pausa para a neblina, Rodrigo Grota recria a obra do fotógrafo Haruo Ohara, japonês que morou no Paraná durante um grande trecho de sua vida. Nas reconstruções feitas por Grota das cenas captadas por Ohara, quatro dos nove filhos do fotógrafo participaram. O grande feito do cineasta nesse filme é ter conseguido manter-se fiel à obra do japonês, por si só, tão poética. O curta é de uma beleza comovente e deixa no espectador uma sensação de paz que só os orientais conseguem ostentar. Ponto para Grota, que fechou com chave de ouro sua Trilogia do Esquecimento, composta ainda pelos filmes Satori Uso e Booker Pittman.
Encerrando a noite, o aguardado Viagem a Marte cria uma guerra que apressa o lançamento de uma tripulação a uma viagem espacial rumo ao planeta vermelho. Antônio Castro dá um tom de realidade à obra tão escapista, muito pela escolha do preto e branco. Rumando a Marte, sem saber o que os aguarda, os astronautas são uma metáfora para nossas incertezas acerca do futuro. E, mais do que isso, Castro afirma que tudo pode ser, já que estamos em processo de feitura desse há de vir. Uma bela realização que valeu cada segundo de espera.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
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