Márcio M. Andrade
Um registro de verdades íntimas. Assim se pode pensar o programa internacional Caro Diário, que une seus curtas por uma temática centrada nas descobertas e sentimentos individuais diante do mundo e, do mesmo modo, com uma estética semelhante: registros naturalistas, como se a câmera participasse daquele ambiente.
O primeiro curta da noite – Blokes (Marialy Rivas, 2010) – mostra a descoberta da sexualidade de dois rapazes durante o cerco provocado pela ditadura militar, em que a coação já havia se tornado lugar comum para todos. Com excelentes interpretações e um roteiro enxuto, o diretor compõe um cenário não-melodramático de uma sexualidade que nunca se mostra deveras sofrida, mas como um desvio às convenções rígidas.
Androids (Maria Pérez, 2010), por sua vez, trata da exclusão social onde os algozes, na verdade, ganham o rosto da família: em um subúrbio quase idílico, um rapaz une-se à sua vizinha deficiente para formar um clube do OVNI, algo visto com bastante estranheza por todos que os cercam. De forma bastante convencional e abusando dos estereótipos, o diretor conduz suas protagonistas com destreza até sua tentativa de redenção, onde o desejo de ir embora não toma simplesmente ares de fuga, mas de um retorno ao seu “lar original”. Se o riso pela situação absurda de ambos surge, é pela identificação extrema com cada um de nós que se sente “desencaixado” dos padrões.
Seguindo a mesma esteira familiar, Dans nos veines (Guillaume Senez, 2010) trata de um pós-adolescente que, por conta das brigas familiares, teme perpetuar o estereótipo de paternidade que sempre acompanhou e padeceu em casa. Esteticamente, seu diretor se mostra seguro de suas intenções através de atores extremamente à vontade com seus personagens, permanecendo sempre desafiados pelas ações do outro. Se, em alguns momentos, os diálogos explicam excessivamente os sentimentos das personagens, acontece como na vida, quando nem sempre estamos à vontade para agir e explicar-se em demasia termina se tornando uma alternativa que traga mais alívio.
Encerrando esse ciclo sobre individualidades e familiaridades “disformes”, En suspension (Fanny dal Magro, 2009) mostra uma mãe solteira que cuida de uma filha que a reprime com seus desejos e carências insaciáveis, através de um roteiro sutil e interpretações cativantes que contrabalançam densidade e leveza com elegância. O desejo de se tornar responsável se desequilibra quando a ânsia de fugir das conseqüências que vêm a partir dele termina por sufocar a experiência da maternidade. Contudo, o cineasta não se mostra pessimista: como atesta a cena final, por mais difícil que seja continuar, o amor e o perdão surgem para trazer de volta as razões que permeiam esse desejo do compromisso.
Indivíduos que participam da sociedade. Comunidade que interfere nas decisões do indivíduo. Ao sair da sala de cinema, o espectador se revê como protagonista de seu próprio diário, como uma carta de desafio para os que o rejeitam ou uma declaração de amor àqueles que abrem seus braços para recebê-lo.
domingo, 21 de novembro de 2010
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