domingo, 14 de novembro de 2010

O Mágico

Imagem e mágica
André Valença

Pôr o dedo em clássicos é sempre uma tarefa controversa. Contudo, Sylvain Chomet não conseguiu evitar e meteu as mãos na massa para realizar o desenho animado O Mágico (2010), baseado na obra de Jacques Tati, sobre um ilusionista que luta para não cair no esquecimento com a chegada do rock’n’roll. Chomet já havia mostrado interesse no cinema mudo em seu belo As Bicicletas de Belleville (2003) e, como Tati é uma referência daquela época, já havia uma certa conexão entre os dois.

No caso d’O Mágico, esse encontro foi direto. Do meio para o fim dos anos cinqüenta, Tati havia escrito um roteiro provisoriamente intitulado Film Tati Nº 4, entretanto, não achou que era o momento certo de levar à tela. O peso do enredo talvez não combinasse - pelo menos não ali – com uma produção com o tom mais inocente e infantil que andava realizando. Mas o mundo gira e, de alguma forma, anos após o falecimento de Tati, o roteiro cai nas mãos de Chomet. Dessa união póstuma surgiu O Mágico, de inegável lirismo.

Com um desenho denso, uma espécie de caricatura sombria, Chomet trouxe de volta à vida um personagem que fazia muita falta ao cinema, O Sr. Hulot (que, no filme, se chama Taticheff, mas os dois são, essencialmente, o mesmo personagem), o francês alto e desajeitado; um trambolho sem noção do espaço que ocupa, por ter alma de menino, como pode atestar o comovente Meu Tio (1958). Sylvain Chomet consegue simular todos os movimentos do querido personagem, cuja mobilidade e desenvoltura física não chegam perto das do Carlitos de Chaplin, por exemplo, mas não deixa a desejar nem em poesia, ou graça.

Chegando nos méritos, podemos dizer que o grande triunfo da animação talvez seja a coesão narrativa, que não é possível ver, por exemplo, em filmes como As Férias do Sr. Hulot (1953), que é uma verdadeira montagem de esquetes. Outro triunfo é pegar um personagem de comédia e transformá-lo em um ser melancólico, tal qual fez Chaplin, a si mesmo, em As Luzes da Ribalta (1952), sobre um comediante em decadência (algo em comum?).

Por outro lado, Chomet erra em alguns pontos. Alguns ostensivos planos aéreos em 3D tiram o espectador da realidade do filme, que é uma reconstrução de época. Também, algo que era para ser bem interessante é o momento em que Taticheff entra num cinema e se depara com o filme Meu Tio. Dando-se de cara com Mr. Hulot, o mágico, então, corre atordoado. A cena é mal pensada e a projeção do antigo filme de Tati no fundo ficou mal-feita.

A ousadia, contudo, de realizar um filme mudo onde nem os personagens principais (de nacionalidades diferentes) conseguem se entender verbalmente, prova que a comunicação no cinema se dá, principalmente, através da imagem.

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