Por João Roberto Cintra
Não fosse pela música (e pelo título) brega, quem assiste Viajo porque preciso, volto porque te amo pensaria que está diante de um estilizado documentário. Narrativa objetiva, paisagens secas, assim como seco se mostra o protagonista, de que se conhece somente a voz. José Renato faz uma viagem a trabalho: geólogo, faz um estudo da região, tendo em vista a transposição do Rio São Francisco. Como em uma caderneta de notas, as imagens que se vê e as observações são coladas numa lógica profissional. O tom muda, entretanto, quando o narrador percebe sua vida além do trabalho, e a caderneta começa a ganhar rabiscos pessoais.
O filme torna-se, então, um diário aberto da viagem da transposição dele mesmo, e, como acontece em toda viagem física, essa também se torna interna. O amor pela (ex?) mulher o consome a ponto de desviar seu objetivo em nome do lamento e da saudade. As imagens agora buscam um foco em impressões pessoais ou histórias de pessoas que encontra – e tenta encontrar sentido para o seu sentimento ou para ele mesmo.
O filme, realizado a partir de imagens colhidas ao longo de dez anos pelos cineastas Marcelo Gomes e Karin Aïnouz , é resultado da viagem deles próprios, pelas paisagens nordestinas. Os dois são cineastas cuja obra se caracteriza por um cinema sincero e sem concessões a grandes firulas comerciais. O curioso de saber que esse filme começou há mais de dez anos é perceber duas coisas. A primeira, o olhar apurado e o talento, desde antes de terem quaisquer ou poucos recursos como realizadores.
Segundo, seu cinema "sincero e sem concessões" não pode ser reconhecido aqui: essas características na verdade nasceram a partir dele, e foram desenvolvidas nas obras que já conhecemos. Ou seja: a viagem foi deles também, em um filme orgânico, que precisava ser finalizado.
Mesmo assim, fazê-lo agora denota uma certa maturidade, uma vez que o filme, construído por cortes e colagens de fotos, imagens em vídeo, outros formatos, poderia em outras mãos facilmente se perder, quando funciona de forma bastante coerente, principalmente pelo recurso do fio que conduz tudo e dá alma ao filme, o narrador – excelente trabalho de Irandhir Santos – e a trilha sonora que ajuda a enxergar o protagonista sem rosto.
É interessante a empatia criada por um alguém de quem se conhece apenas a voz. Conhece-se seu passado, seu presente, sua alma. Da mesma forma que a vida é descoberta no árido nordeste, com solo sem vida, mas com pessoas cantando músicas românticas ou sonhando para si uma "vida lazer". Nesse ponto, até se entende melhor o título, que se torna mais poético, e romântico. José Renato vai pela estrada em busca de uma vida, que corre como um rio. E esperando a coragem de pular.
domingo, 18 de outubro de 2009
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Aquém de "Cinema, Aspirinas e Urubus" e de "O céu de Suely", respectivamente de Gomes e Karim. Ambos gravitam a mesma temática, num cenário bem parecido.
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