quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Dimensões Paralelas



Por Maria Doralice Amorim

"O cinema atinge sempre o seu melhor quando o homem-cineasta consegue (...) nos fazer entrar no seu sonho". (François Truffaut)

As realidades paralelas foram os grandes destaques do quarto programa da Mostra Competitiva Brasileira, exibido na última terça feira (20/10) na Janela. O primeiro filme da noite, A casa dos Mortos (DF, 2009)(foto) faz um relato interessante da vida de alguns homens em um Manicômio Judiciário na Bahia. Nesse documentário cinematográfico, a diretora e também antropóloga, Débora Diniz, teve o cuidado de mostrar aquelas pessoas não como mero "objeto de investigação e estudo", mas sim como personagens de uma mesma história que se repetia e, por isso, precisava ser evidenciada.

Débora tem grande mérito em abordar um tema um tanto polêmico de forma bastante natural. O filme conseguiu dar visibilidade e voz para um grupo de homens, geralmente, esquecido e entregue a uma mesma realidade, "ao destino de sempre, é que aqui é a casa dos mortos", como dizia Buba (interno) no poema que deu nome ao filme.

O segundo filme apresentado, Quarto de Espera (RS, 2009), não obteve um retorno tão favorável. O filme, de nítidas influências asiáticas, tentou transmitir uma sensação pós-apocalíptica, utilizando-se de ruas desertas, de cores acinzentadas e tendo como personagem de destaque um jovem usando máscara de gás (como se tentasse sobreviver àquela realidade que restava). Na verdade, a produção conseguiu imprimir na platéia uma grande inquietação, a dificuldade de respiração do jovem através da mascara, assim como suas ações em meio a uma cidade vazia, despertaram sensações de inadequação e de intranqüilidade. Talvez tenha sido esse o objetivo dos realizadores ao desenvolverem uma produção com tons tão frios e mórbidos.

Nego Fugido (BA, 2009), é, antes de tudo, um filme convidativo. Os realizadores tentaram transmitir, da forma mais expressiva possível, à platéia a dramaticidade da manifestação do Nego Fugido, no Recôncavo Baiano. Os jovens apresentados, na produção, são aparentemente "estrangeiros" àquele ambiente e, como os espectadores, tentam entender o caráter representativo da festa. A velocidade da câmara e a montagem ágil das imagens são utilizadas como forma de transmitir, para a sala de cinema, o caráter real e lúdico daquela manifestação. A clara inversão de papéis proposta pelos diretores, onde o jovem decide participar da manifestação diretamente (o branco faz o papel de nego fugido) é o ponto nítido de quebra da barreira entre aqueles que participam e povoam o imaginário da representação e aqueles que não pertencem ao ambiente, mas por alguns instantes, querem entender e compartilhar de uma experiência, aparentemente, tão significativa.

O último filme da noite, Superbarroco (PE, 2009) da pernambucana Renata Pinheiro, foi destaque em festivais como o CinePe e a Quinzena dos Realizadores, em Cannes. O Filme consegue, de uma forma belíssima, transpor sensações e mesclar variadas possibilidades visuais para a tela. Como no barroco, Renata trabalhou os contrastes, do real e do imaginário, do alegre e do triste, através de um personagem que já está com uma idade avançada e parece criar um mundo paralelo para dar vida aos seus mais diversos sonhos. A produção é constituída de uma mistura de experimentações visuais, musicais e artísticas que no final dão certo e encantam os espectadores pela beleza com que tudo foi construído. A cena da festa, na qual o personagem real, de Everaldo Pontes, se mistura com projeções de pessoas e músicas, dá uma sensação incrível para platéia, pois, através dela, Renata conseguiu unir dois mundos, duas realidades paralelas em um só momento.

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