terça-feira, 20 de outubro de 2009

Do Lado de Fora Tentando Entrar



Por Bento Gonçalves

A primeira atração, Metropolis Ferry, trata-se uma obra no mínimo provocativa. O enredo não se preocupa em ser bastante desenvolvido, possuindo uma função essencialmente utilitária: situar o espectador temporalmente e localmente; assim como, sobremaneira, fornecer o mote dramático ao desenvolvimento do argumento. Os aspectos técnicos da obra são competentes na medida de expor a evolução argumentativa desta.

Voltando de uma viagem ao Marrocos, jovens espanhóis, dentre os quais um aspirante a advogado, testemunham a detenção de um menor de idade marroquino que tenta migrar à Espanha e decidem auxiliá-lo. Até este momento, os papeis narrativos encontram-se bastante delineados, até certo ponto beirando ao clichê: os jovens - herois visionários, lutando pela justiça; contra os policiais – caracterizados como forças antagonistas. Trata-se, sobretudo, do idealismo ingênuo versus o realismo e pragmatismo. Dicotomia também presente na idealização dos sonhos e planos do migrante e o choque com a realidade.

Enquanto o espanhol tenta persuadir o imigrante de que a ideia que possui da Europa não passa de uma ilusão midiática ("A Europa é uma mentira."), eis que recebe a resposta e, numa fantástica reviravolta argumentativa, o jovem assume as falácias que por tanto tempo acreditou e defendeu; passando por um processo de crise de consciência e posterior amadurecimento de forte carga realista. Dotando a obra de dimensões psico-sociológicas sobremaneira mais abrangentes. Impressionante.
E, lavando suas mãos, o jovem entrega o menor aos cuidados policiais, como quem deixa para trás a ingenuidade da juventude e encara a vida adulta, com todas as abdicações românticas que ela demanda.

Inércia. Eis o termo que melhor se adéqua à situação dos protagonistas do segundo curta exibido, Deixados para Trás, obra alemã que foca o cotidiano de dois mineiros habitantes da Baixa Silésia. Contrastando com película anterior, que versa sobre evolução e (pelo menos tentativa de) superação das dificuldades decorrentes de um status quo hostil, aqueles aparentemente encontram-se estáticos no tempo, vivenciando um processo de auto-decadência e autodestruição. A obra possui um tom documental mais acentuado, cuja fotografia é fortemente influenciada pelos tons acinzentados, recorrendo à mente do espectador falta de perspectiva de vida (cor). Competente interação plástica entre o argumento e o meio em que os personagens vivem.

Dando continuidade à noite, Uma e Outra Vez (foto) recorre à sessão o tema de imigrantes. Neste, a dicotomia entre evolução e conformismo parece funcionar como núcleo sintetizador das obras anteriores. A linguagem falada converte-se num catalisador a tal argumento – enquanto imigrantes mexicanos, o casal protagonista não domina o inglês e, assim sendo, toda a obra é falada em espanhol. Fato somente quebrado numa breve cena, na qual ela começa a aprender a língua, a fim de evoluir e alterar o meio sofrível em que vive. Enquanto ele, sem grandes perspectivas econômicas, contenta-se com o (muito) pouco que possui. Atos divididos de maneira didática conferem à obra um tom um levemente jocoso, quebrando o clima sociológico de sua temática.

Findando a sessão, temos o divertido Pele Nova, como resultado de todo um processo abordado nos três curtas anteriores: a diversidade étnica fruto da Globalização. É muito curioso assistir ao desfile de tipos humanos, os mais comuns possíveis. Trata-se de uma quebra no tom mais solene das obras anteriores, e uma ótima maneira de encarar um tema tão vasto. Neste mundo que, felizmente, tanto insiste em mudar e formar tantas novas peles.

Um comentário:

  1. Adorei a análise desenvolvida pelo Bento Gonçalves. É de muito bom gosto a ampliação interpretativa dos filmes realizada pelos participantes da Janela Crítica.

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