domingo, 18 de outubro de 2009
Eu Me Lembro
O PODER DA MEMÓRIA
Por Gabriela Alcântara
Diante do nome desse programa, o público do Janela parece saber o que esperar. Parece. Porém, durante a sessão, é notável o peso da memória na vida dos espectadores. O ar fica com outro clima, e um gosto de saudade habita a boca.
A saudade acerta os cinéfilos em cheio nos dois primeiros curtas, Olhos de Ressaca e A Montanha mágica (foto). O primeiro conta a história de Vera e Gabriel, com todos os seus nuances. Na tela, os dois divagam sobre coisas como o início do romance, o nascimento dos filhos, o envelhecer. O filme tem uma narrativa leve, exalando ternura, como se o amor do casal transbordasse, tomando conta da sala. Gabriel começa a contar a história com um pedaço do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, onde Bentinho fala sobre os olhos de ressaca de Capitu. A técnica de inserir narrativas literárias é repetida ao longo do curta, dando a ele um tom de romance diferente, encontrado principalmente nos livros antigos. A trilha sonora, que conta com "Valsa para Lua", de Vitor Araujo, ajuda a transportar e conectar o público, fazendo com que ele sinta vontade de encontrar também um par de “Olhos de ressaca”.
Já em A Montanha mágica, esse sentimento ganha um tom diferente. O espectador sente falta de sua infância, dos parquinhos viajantes, dos passeios em família. Uma sensação de calma paira sobre a sessão, como se por um instante todos estivessem dentro do filme, brincando no parquinho, na roda gigante, que é a montanha mágica do diretor. Quando ele volta para o parque, é como se o público voltasse também, e apesar do silêncio dos brinquedos desligados, era como se tudo estivesse mais vivo do que nunca, como se todos tivessem seis anos novamente.
Do passado ao presente. De onde viemos? Em que se baseia a nossa formação? Essas são as perguntas feitas e respondidas por Felipe Barros, em seu curta 98001075056. Tratando de forma belíssima o tema, Felipe optou por um filme sem diálogos, onde as fotos de sua família, e dele quando criança, vão se desmanchando, virando pequenas partículas que, no final, se unem para mostrar uma foto do homem de hoje, com uma identidade ainda em formação. O título do filme, que pode parecer estranho e aparentemente sem motivo, logo se explica, é o número do RG de Felipe, escolha inteligente para dar nome ao curta que trata da busca que todos fazem: o "quem sou eu".
O programa contou ainda com Três tabelas, que utiliza a técnica de stop motion em alguns momentos, contando a história de três personagens que, entre uma cervejinha e um jogo de sinuca, falam de seus bairros, das mudanças que ocorreram, do carinho que sentem pelo lugar onde moram.
Em As Sombras”, cinema dedicatória para o diretor Walter Hugo Khouri, em especial para o seu filme ‘A Deusas’, o público conhece a relação entre uma mulher que passa por uma crise psicótica, seu marido e sua psiquiatra. A angústia e a solidão tomam conta da sessão, o medo do desconhecido. Um dos diálogos do filme permanece no ar, com uma pergunta que aparentemente não pode ser respondida, quando a psiquiatra diz que está tudo na cabeça de sua paciente, e Ângela então retruca: “E o que não está?”
Fechando a sessão, o curta Minami em Close-Up - A Boca em revista homenageia a revista 'Cinema em Close-up', de Minami Keizi, que era um sucesso nos anos 70. A revista é um dos poucos casos em que um veículo é especializado em apenas um movimento cinematográfico, o cinema da Boca do Lixo e seus personagens. Resgatando de forma engraçada uma parte esquecida do cinema paulista, o filme traz a reflexão acerca da preservação de nossa memória cinematográfica, principalmente quando se trata do cinema tido como "marginal", que precisa de cuidados, antes que tudo se perca, ficando apenas na memória daqueles que o viveram.
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Começo a sentir muita raiva de mim, por não ter ido assistir.
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