terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sensações de Inadequações

Por João Roberto Cintra

A DISNEY NÃO É AQUI

É peculiar que em uma sessão chamada "Sensações de Inadequação" três histórias sejam sobre crianças - e a última sobre um adolescente. O saudosismo que costumam ter os adultos sobre essa fase fantasia a tensão e a solidão de quem ainda está nela.

Em Laurita, de Roney Freitas, a leve, mas presente, sensualidade de uma menina de 11 anos dá o tom da consciência (ou despertar dessa) do próprio corpo e do mundo. Várias mulheres dialogam ao longo do filme, em um encontro que coloca em evidência o universo feminino pela analogia da disputa pela voz da família naquele espaço reunida: de repente as brincadeiras de infância não acabaram, ou são preparações para as relações de poder da vida adulta.

A animação O menino que plantava invernos, de Victor-Hugo Borges, é para quem vê uma referência clara ao universo soturno de Tim Burton ("A noiva cadáver"). Um menino tem os pais mortos antes de nascer e quer trazer um inverno severo para espantar o dragão que, acredita ele, matou seus pais. Uma animação competente e bem realizada, sombria no tema e nos traços dos personagens, que ainda usa do cinismo e humor negro para dar vida (!) à família improvável de pais mortos e do filho "vivo demais".

Com "O presidente" a diretora Luiza Farale, presente na sessão, monta uma trama aparentemente simples sobre um menino cujo sonho é ser presidente dos Estados Unidos, e quer usar óculos porque acha que os presidentes usam. Entretanto, existem inseridas pequenas situações contraditórias, de amor e ódio: uma senhora que mantém um gato de estimação, apesar de ficar sempre arranhada; ou da mãe do menino, entre o dever de mãe e o desejo de mulher. Nesse meio tempo, o menino tenta dar um foco para sua vida, procurando diferentes óculos, enquanto que seu sonho não é levado a sério.

No último filme, “Nº 27”, competente trabalho de Marcelo Lordello, uma situação simples de desconforto toma grandes proporções para um adolescente que não sabe o que fazer. Trancado no banheiro, tenso e com vergonha, ele é confrontado pelos colegas e pela própria cabeça - evidenciado pela insistente câmera no seu rosto - cuja vontade é apenas de sumir. Situações de bullying (violência física ou psicológica comuns na adolescência) mostram a crueldade que o universo juvenil pode trazer, transformada na disfarçada indiferença dos pais, cuja preocupação com o filho é de ordem mais "logística" (passar de ano, fazer provas) do que de bem-estar. O diretor ainda chama atenção para o sistema de educação simbolizada pela prova de múltipla escolha – uma educação "bancária" no termo cunhado por Paulo Freire e na sua relação também com o sistema capitalista.

Walt Disney fez um bom trabalho minimizando o lado sombrio que existia nos contos de fada em sua origem. Mas nem sempre ele está presente para fazer finais felizes. Às vezes a arte imita a vida.

Um comentário:

  1. O menino que tenta pretensamente dar um foco em sua vida através de óculos alheios... Bem curioso! E a interpretação primorosa em "Laurita". Os curtas desse programa foram muito bem selecionados!

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