quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Everests Pessoais
Por Gabriela Alcântara
"Não quero saber como as coisas se comportam, quero inventar comportamento para as coisas”. A frase, de Clarice Lispector, encontra encaixe em boa parte dos filmes que compõem esse programa do Janela. Levantar a cabeça e continuar lutando, inventar novas formas de viver feliz, superar barreiras, sejam elas impostas pela sociedade, pelo próprio consciente dos personagens, ou físicas.
Os dois caminhos a serem seguidos, ir em frente ou desistir, continuar subindo, procurando o topo, eis o tema de Two Ways (foto), de Viola Groenhart. Nesse curta, a câmera acompanha dois homens que escalam uma montanha, com dificuldade e cansaço. A partir de certo momento, o clima tenso, e a agonia pairam na sala, que acompanha aflita o respirar ofegante dos personagens, enquanto vê a possibilidade de cair a qualquer momento em uma das pedras escorregadias, e o topo que nunca chega. A técnica usada para filmar o curta é tão interessante - principalmente no enfoque tremido dado às pedras, como o olhar de quem já está andando há tempo demais - que o público se transfere para o papel dos atores, com uma angústia tremenda, um anseio de ver como é o mundo do alto da montanha. A angústia se transforma então rapidamente em decepção, ao perceber que a câmera, ao contrário do esperado, não continua a subir, mas inicia uma descida triste, como se houvesse ali uma espécie de desistência, quando já estávamos (os personagens e o público) tão perto de nosso objetivo.
Já Nora, um dos filmes mais belos do festival, traz uma narrativa inovadora, com performances e danças, que enriquecem a história da dançarina nascida em Zimbabwe. Os cenários são lindos, e o curta apresenta uma visão diferente da que geralmente é mostrada nos filmes que falam de alguma forma do povo do continente africano. Mesmo que não deixe de lado as dificuldades da população, Nora investe num olhar mais alegre, e isso fica claro principalmente graças às danças e performances presentes em algumas cenas, além de leves toques humorísticos utilizados para representar partes da narrativa, como a forma encontrada para mostrar a mudança constante da personagem e seus irmãos, após a separação dos pais. Com a história verdadeira de uma mulher forte, que escolheu não se submeter às expectativas de terceiros, mas inventar para si outro futuro, o filme conta ainda com uma fotografia incrível e tomadas fantásticas, que aumentam o tom poético do curta.
Seguindo o caminho oposto, A Day in your life pode levar o espectador a sentir, por vezes, um certo constrangimento, tal é o tamanho da pieguice em algumas cenas. A jovem solitária e triste, que fuma na janela de casa, enquanto o narrador faz observações supostamente "profundas" é tão lugar comum que já não emociona mais. Com uma possível inspiração nos textos de Caio Fernando Abreu, a tentativa de seguir a linha narrativa do escritor e adaptá-la ao cinema, nesse filme, certamente não foi feliz, ganhando um tom extremamente cafona.
Logo após o pequeno desastre, e com título quase idêntico, A Day in a life vem para emocionar. O curta conta a história de uma senhora que mora em Hong Kong, e passa o dia inteiro trabalhando, na tentativa de sobreviver e dar uma vida melhor à sua neta. O filme de Kwok Zune é triste, e traz à tona a reflexão acerca do tratamento dado aos idosos, que tendem a ser desvalorizados e tratados de forma diferente, inclusive por familiares. Quando a sessão acaba, o público sente o coração apertado, tendo frescas na memória algumas cenas da história da avó que sempre foi uma batalhadora, e não se deixa abater facilmente. Esteve presente também no programa o filme Houna and Manny, de Jared Katsiane.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O Everest da vovó, de fato, emociona! E não passa de um dia na vida, que pode qualquer dia na vida dela ou na de qualquer um. Impressionante como o "you" (remetendo ao filme que o antecede) faz toda a diferença: a falta de profundidade, bem pontuada, transparece até na naturalidade tosca da protagonista.
ResponderExcluirQuanto a Nora, algumas cenas se sobressaem imageticamente pela beleza de sua construção.
Se fosse no ano passado, Nora ia tá naquele programa "O Corpom pula, dança, etc" (Como era mesmo o nome?), de certeza.
ResponderExcluir