terça-feira, 20 de outubro de 2009

As Imagens Doce-Amargas

Por George Carvalho

Cotidianos adocicados pelo cinema

Personagens em foco, carregados de poesia. Seja ela mais urbana e contemporânea, como a que aparece em A mulher biônica, mais ingênua e graciosa, como a de Sweet Karolyne, ou ainda mais dócil e romântica, como a que cerca a relação dos personagens em O teu sorriso. Esse é o mote do programa "As imagens doce-amargas", que integra a mostra competitiva brasileira do Janela Internacional de Cinema do Recife, em sua segunda edição.

Além desses três filmes, há ainda um quarto, Matryoshka, cuja poética lida com a perda de identidade que sucumbe à protagonista, tal como a lenda da boneca russa que nunca cumpriu a finalidade para a qual foi confeccionada, apesar do seu destino não parecer tão ruim.

Oriundos dois deles do Ceará, um da Paraíba e outro do Rio de Janeiro, o conjunto de sensações que esse bloco permite ao espectador vai do riso espontâneo diante da simplicidade de uma garotinha que tem como animal de estimação um galo chamado Jarbas, ao prazer despretensioso pela vida quando é projetada na tela a intimidade de um experiente casal ratificando, enamorados que estão, que não há idade para ser feliz.

Na tela, uma sucessão de histórias com pitadas amargas transmitidas com poesia e doçura: uma criança que sabe bem pouco da vida e fala da morte com aquela naturalidade que só possui quem não conhece o sentimento de perda que aquele substantivo denota; uma mulher que descarrega sexualmente, com um desconhecido, no cinema, as tensões advindas de um cotidiano opressor. E a cada projeção o público vai sendo conquistado, se deixando envolver pelas histórias e personagens retratados.

Nem a pouca desenvoltura técnica do elenco de A mulher biônica compromete esse envolvimento, cujo ápice de consolidação se dá mesmo no último filme do bloco. Aliada a competência de Paulo José e Juliana Careiro da Cunha, o universo de O teu sorriso parece ultrapassar a tela, contagiando a sala de exibição pela simples possibilidade daquilo retratado por Pedro Freire ser verossímil, plausível, contínuo.

No entanto, na ordem em que são exibidos, o filme de Salomão Santana, Matryoshka, sai um tanto quanto prejudicado. Intercalado entre o relato despretensioso de Karolyne e companhia, captado por Ana Bárbara Ramos, e o sorriso sublime de Freire, a linguagem singela e sutil de Salomão acaba por representar uma quebra brusca de ritmo e continuidade do bloco de filmes, a qual não passa despercebida pelo público.

E diante da poesia e do amargor do dia-a-dia ali revelados, esse bloco de curtas brasileiros traz a certeza de que o olhar cinematográfico é uma das melhores maneiras de adocicar a vida. Mesmo que seja a dos outros, pois esse é um pré-requisito para se colocar como numa janela, apenas a observar.

Um comentário:

  1. Sempre fico pensando que, pra mim, "o teu sorriso" deveria estar em um programa que se chamasse As Imagens Doces. E ponto. :)

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